A mesma decoração do terceiro ato.

CENA I

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CLARIMUNDO, JOSÉ que entra, e logo CINCINATO


CLARIMUNDO (Vendo José.) – Enfim!

JOSÉ – O sr. Doutor já não estava em casa: deixei a carta.

CLARIMUNDO (Impaciente.) E Helena poderá esperar?...

CINCINATO (Entrando.) – Boletim da batalha de ontem...

CLARIMUNDO (A José.) – Vai-te. (A Cincinato.) Tu aqui?... e essa maldita mulher.

CINCINATO – Estamos livres dela: pensou que fugia comigo e achou-se em caminho com um substituto que arranjei do pé para a mão.

CLARIMUNDO – E Adriano?

CINCINATO – Ainda não voltou?...

CLARIMUNDO – Desde ontem de manhã... o ingrato!... enquanto a esposa ameaçada talvez da morte.

CINCINATO – Dª. Helena!

CLARIMUNDO – Passou horrível a noite: o médico deixou-a adormecida ao amanhecer; ela, porém, despertou uma hora depois em novo ataque nervoso, e esperem lá o doutor!... agora dormiu outra vez... embora... eu quero um médico à sua cabeceira.

CINCINATO – Em dez minutos está servido... (Tomando o chapéu.)

CLARIMUNDO – Merece confiança? (Para um carro.)

CINCINATO – É moço; mas vale um velho sábio... um carro... e talvez o médico...

CLARIMUNDO – Que seja... vai buscar o outro... um há de ficar aqui.

CINCINATO – Vou como se fosse em velocípede. (Vai-se.)

CENA II

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CLARIMUNDO, que acompanha Cincinato até a porta – ÚRSULA


CLARIMUNDO (Ao ver Úrsula.) – Ah! minha senhora...

ÚRSULA (Entrando.) – Sr. Clarimundo. (Dá-lhe a mão) dª. Helena?... o seu médico, que também é o meu, acaba de dar-me notícias que me afligiram... e corri...

CLARIMUNDO – Que pensa ele?...

ÚRSULA – Por ora nada de positivo; porque, pelo que diz, nem pode fazer perfeito exame da doente no estado em que ela se achava..

CLARIMUNDO – É verdade... terríveis fenômenos nervosos...

ÚRSULA – E agora? como está dª. Helena?

CLARIMUNDO – Dorme sossegada.

ÚRSULA – Se o permite, esperarei que ela acorde.

CLARIMUNDO – Oh! eu agradeço muito a v. ex. o interesse que toma por Helena... o dia vai ser talvez de amargurado pranto... v. ex. também há de chorar... pois que é sensível... quer ver... minha filha no horror dos seus tormentos... Adriano sobe a escada... venha... entre...

ÚRSULA – Sr. Clarimundo...

CLARIMUNDO – Por quem é... (Oferece-lhe a mão.) Desejo ficar só com Adriano.

CENA III

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CLARIMUNDO, que conduz Úrsula até à porta e volta severo de braços cruzados – ADRIANO pálido e desfigurado.


ADRIANO – Sr. Clarimundo... (Silêncio de Clarimundo.) foi-me de martírios a noite... (Silêncio.) tenho sofrido muito... (Silêncio.) porque me olha assim?... poupe-me... (Silêncio.) ah sr. Clarimundo... (Clarimundo vai fechar e tira a chave da porta do interior) Por que fecha essa porta?...

CLARIMUNDO – Ontem um homem que eu supunha honrado, e a quem ofereci o perdão de vergonhosos desatinos, prometeu-me solenemente não tornar a jogar, e ser digno de sua esposa; e ontem mesmo ele jogou, e mentiu à fidelidade conjugal, à honestidade, e ao brio: como é que devo hoje qualificar esse homem?...

ADRIANO – Sr. Clarimundo! v. s. me insulta!...

CLARIMUNDO – Fale baixo...

ADRIANO – Abusa do respeito talvez excessivo...

CLARIMUNDO – Desgraçado! Helena está em perigo de morte, e aos gritos do algoz.

ADRIANO (Correndo à porta.) – Helena!... (Volta.) a chave daquela porta!... a chave!...

CLARIMUNDO – Jogador desenfreado e vicioso, deixa que morra em paz a tua vítima antes de sentir a fome e o horror da miséria a que a reduziste! amante da mundanaria: adúltero ostentoso, o teu lugar não é mais ao lado da honestíssima esposa que ultrajaste, é no lodo do lupanar e nas orgias da devassidão!...

ADRIANO – Oh!... é muito!... é muito!... mas... a chave daquela porta! eu quero ver Helena...

CLARIMUNDO – De joelhos, réprobo da sociedade e de Deus! de joelhos! e verte lágrimas que te queimem tanto as faces, e rompe em gemidos, que te rasguem tanto o peito, que possam merecer o perdão da tua ignomínia!...

ADRIANO – Sr. Clarimundo! é demais!... quaisquer que sejam os meus erros... as minhas loucuras, só meu pai poderia impunemente injuriar-me assim... proíbo-lhe que me fale desse modo!

CLARIMUNDO – Teu pai!... teu pai se envergonharia de tal filho... teu pai te amaldi... talvez te amaldiçoasse... se eu fosse teu pai...

ADRIANO – Não! não!... meu pai não me falaria tão cruelmente!... meu pai se arrependeria de me haver deixado vinte e seis anos no deserto do desprezo e sem a sua bênção!... meu pai encontrando-me envilecido, culpado, se faria meu juiz; mas só para absolver-me num grito do coração!...

CLARIMUNDO – Desgraçado!... e tu... (Em crescente comoção.)

ADRIANO – Não! não!... meu pai não seria execrador implacável; meu pai sentiria no seu seio os tormentos que dilaceram o seio de seu filho!... meu pai, revoltado contra mim, no ímpeto de cólera justíssima levantaria a mão para amaldiçoar-me; mas a sua mão descendo sobre a minha cabeça, faria o sinal de bênção...

CLARIMUNDO – Adriano!... ( Vivíssima comoção.)

ADRIANO – Não! não! meu pai... ah! para que falou de pai ao enjeitado... ao proscrito da família, ao inocente condenado no ventre materno?... se eu tivesse meu pai! Oh!... meu pai não enjeitaria segunda vez o infeliz que não tem culpa de ter nascido!...

CLARIMUNDO – Adriano!... Adriano!...

ADRIANO – Não! não! não! meu pai, vendo-me na maior desgraça, na aflição mais despedaçadora, meu pai... oh!... meu pai não me amaldiçoaria, meu pai me estenderia os braços, me diria perdão!... choraria comigo... meu pai, que sem dúvida amou minha mãe, não me negaria a chave daquela porta... (Chorando.) meu pai...

CLARIMUNDO (Chorando também.) – Mas... eu sou teu pai!... meu filho!... eu te perdôo!...meu filho!

ADRIANO – Oh!... oh!... meu pai!... (Cai de joelhos: abraçam-se.)

CLARIMUNDO – Adriano!... meu filho!... meu filho!...

CINCINATO (Dentro.) – Eu e o meu doutor... (Clarimundo e Adriano enxugam as lágrimas, etc.)

CENA IV

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CLARIMUNDO, ADRIANO, CINCINATO e o DR. GONÇALVES


CINCINATO – O dr. Gonçalves...

CLARIMUNDO e ADRIANO – Sr. doutor...

GONÇALVES – Meus senhores... estou às ordens...

CLARIMUNDO – A nossa doente dorme depois de longo sofrer: teve esta noite vômitos, síncopes, delírio, e ataques nervosos que nos alvoroçaram; o sr. doutor verá o que receitou e lhe fez aplicar o seu colega assistente; nós, porém, queremos um médico, que vele ao pé da nossa querida Helena.

GONÇALVES – Esperarei junto dela pelo meu colega. O sono, sendo tranqüilo e reparador, é de bom agouro; mas também é em certos casos muito conveniente observar o sono.

CLARIMUNDO – Venha, sr. doutor; conte-nos seus raciocínios com a mais forte emoção moral... tenha a bondade de entrar... (A Adriano que se adianta.) Fica, Adriano, eu to peço. (Vai-se com Gonçalves.)

CENA V

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ADRIANO e CINCINATO


ADRIANO – Vês?... eu sou um miserável condenado!... minha mulher está mal e me fecham a porta do seu quarto... isto quer dizer que eu fui o miasma da infecção... que eu sou o assassino de Helena!.

CINCINATO – Tem paciência e espera: nas senhoras os nervos são revolucionários que fazem muito fumo com pouco fogo; cá por mim não te proibia a entrada na câmara de Helena; pelo contrário, para ressuscitar a moribunda receitava um abraço e um beijo do marido.

ADRIANO – Cincinato! (Vai a porta e volta com aflição.)

CINCINATO – Falo sério; desde que se falou em fenômenos nervosos, fiquei mais esperançoso. Deus nos conservará dª. Helena... e com tanto que te cures também da...

ADRIANO – Basta...

CENA VI

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ADRIANO, CINCINATO e CLARIMUNDO


CLARIMUNDO – Helena continua a dormir tranqüilamente; o doutor ficou à sua cabeceira, e exige que esperes o seu chamado para te mostrares a tua mulher.

ADRIANO – E que julga ele?

CLARIMUNDO – Parece animado: observando o sono, a respiração e a fisionomia de Helena, mostrou-se contente...

ADRIANO – Oh! que ela viva!... é de sobra para meu castigo o que estou sofrendo; porque é castigo, é punição que Deus me inflige... (Batem palmas.) pode entrar.

CENA VII

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ADRIANO,CINCINATO, CLARIMUNDO e VENCESLAU.


ADRIANO – Ah!

VENCESLAU – Criado muito humilde de v. ex.

CLARIMUNDO (A Cincinato.) – Quem é este maltrapilho?

CINCINATO (A Clarimundo.) – Um ratazana... usurário petrificado...

VENCESLAU (A Adriano.) – Criado muito humilde que vem receber as ordens de v.ex. ... como não o encontrei no escritório...

ADRIANO – Desculpe; o meu amigo Fábio assegurou-me que se tinha entendido com o senhor sobre o nosso negócio...

VENCESLAU – O sr. Fábio nem me falou, nem me apareceu, e com a devida vênia, não havia de que falar; porque o prazo é fatal.

ADRIANO (Perturbado.) – Fábio!... é impossível!...

VENCESLAU – É tão possível, como é certo que o prazo fatal... chegou... e...

ADRIANO – Senhor... eu pensava... (Agitadíssimo.) tenha a bondade de acompanhar-me... (Indo.)

VENCESLAU – Pois não! eu sou o mais humilde criado de v. ex.... (Indo.)

CLARIMUNDO – Para que segredos inúteis? ... (A Venceslau.) senhor... senhor...

VENCESLAU – Venceslau Inocêncio da Caridade para servir a v. ex.

CLARIMUNDO – Sr. Venceslau, o sr. Adriano não pode atender hoje a negócio algum... tem a esposa entre a vida e a morte!...

VENCESLAU – Que desgraça! juro que sinto minto... mas o prazo é fatal.

CLARIMUNDO – E quem lhe pede que sinta ou não sinta? (Consulta o relógio.) Ao meio-dia em ponto pode ir no escritório do sr. Adriano levantar o seu depósito de seis contos de réis. (Confusão de Adriano.)

VENCESLAU – Humilde criado de v. ex.... como o prazo era fatal... ah! ah! ah! (Rindo.) eu não desconfiava... mas nos casos em que o prazo é fatal... humilde criado de v. ex.... (Vai-se.)

CLARIMUNDO – Esperem-me ambos. (Entra no gabinete.)

CENA VIII

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ADRIANO e CINCINATO


CINCINATO – Coragem! o maior perigo vai passar...

ADRIANO – Oh!... e como!... este depósito... eu não tenho dinheiro...

CINCINATO – Tinha-o eu... não para o jogo, nem para Dionísia... tinha-o eu, e te esquecias de mim; mas o sr. Clarimundo não está pobre... é rico, e isso é muito melhor para nós ambos...

ADRIANO – Rico!... e salva-me!... (Silêncio.) mas... se não fosse ele... Cincinato! há seis meses eu era o mais feliz dos esposos e o meu crédito igualava à minha probidade; vida serena em casa, estima geral no público, fortuna próspera abençoavam a minha honra, o meu amor e o meu trabalho: oh!... porque não morri há seis meses!...

CINCINATO – Para dª. Helena não ficar viúva... em toda esta meada eu sinto a mão de Deus sobre a cabeça do anjo.

ADRIANO – O jogo e uma mulher perdida, destruíram em breves semanas, como dois incêndios, a minha fortuna, a minha honra e mancharam o meu amor... e pelo jogo, que é vício aviltante, e por essa mulher, que todos podem comprar, hoje um usurário me faria recolher à prisão e marcar na minha fronte o selo da maior ignomínia; porque hoje ele poderia ter-me chamado... estelionatário... ladrão... Oh!... eu começo a pressentir que estou salvo; mas a vergonha e o opróbrio estão aqui! (Aponta o coração.) na consciência algoz.

CENA IX

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ADRIANO, CINCINATO e CLARIMUNDO


CLARIMUNDO (Dando um papel a Adriano.) – Entrega esta carta de ordem à casa comercial a que é dirigida, e que a espera desde ontem: em meia hora no teu escritório, em uma aqui. Se tens a desgraça de dever a Fábio, manda imediatamente pagar-lhe: Cincinato, acompanha-o e volta com ele. Vai... apresenta-te... (A Adriano.) então?... vai! (Adriano ajoelha-se.) Que é isto? ...

ADRIANO (Trêmulo e comovido.) – Helena... que eu não vi... (Soluçando.)

CINCINATO – Ele tem razão!... (Enternecido.)

CLARIMUNDO (Comovido.) – Vem... um instante só... da porta do quarto... (Leva-o pela mão; e logo depois volta, trazendo-lhe um pouco à força.)

CINCINATO (Comovido.) – Querem atirar-me no sentimental... eu protesto.

CLARIMUNDO (Abraçando Adriano.) – Vai com Deus!... (Cincinato vai-se, levando Adriano.)

CENA X

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CLARIMUNDO e logo JOSÉ


CLARIMUNDO (Acompanha os dois até à porta; enxuga as lágrimas; senta-se, parece sofrer; levanta-se, vai à porta do interior e chama com voz abafada.) – José! (Entra José.) Dize à sra. d. Úrsula que eu lhe peço o favor de dar-me uma palavra. (Vai-se José; Clarimundo vai trancar a porta de entrada e senta-se até que Úrsula entra.)

CENA XI

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CLARIMUNDO e ÚRSULA


ÚRSULA – Aqui estou.

CLARIMUNDO – E Helena dorme ainda?...

ÚRSULA – Dorme: deixei a criada no quarto para que ela, no caso de despertar, não se assuste, vendo-se a sós com o doutor que lhe é desconhecido. (Clarimundo vai trancar a porta do interior) Porque tranca a porta?...

CLARIMUNDO – Para que ninguém perturbe a nossa conversação. v. ex. faz-me a graça de sentar-se? (Aproximando sua cadeira.)

ÚRSULA (Sentando-se.) – E o senhor?

CLARIMUNDO – Ficarei de pé.

ÚRSULA – O senhor me confunde...

CLARIMUNDO – Confundi-la-ei talvez. O que me trouxe do Rio da Prata, minha senhora, foi o cuidado da sorte de Helena e de Adriano; a este vim achar arruinado pelo jogo e pela ligação com uma mulher corrupta; àquela encontrei resistindo nobremente a um plano infame de sedução e martirizada pelo conhecimento da infidelidade do marido. É v. ex. quem me pode explicar completamente estes fatos.

ÚRSULA – É uma inquirição! com que direito?...

CLARIMUNDO – Com o direito do passado que a acusa nas circunstâncias do presente! v. ex. não há de matar impune uma virtuosa esposa.

ÚRSULA – Senhor!... (Levantando-se).

CLARIMUNDO – Há vinte e seis anos v. ex., que então contava com dezessete, casou (Com abalo.) com um velho... miserável milionário... de quem enviuvou dois anos depois, herdando-lhe toda a fortuna...

ÚRSULA – Meus pais pobríssimos me impuseram esse sacrifício... sabe-o!...

CLARIMUNDO – Não me importa isso! mas v. ex, viúva, bela e rica, apaixonou-se pelo mais nobre e distinto cavalheiro, por Maurício de Araújo, que teria sido seu marido, se não fosse eu, que o arredei desse enlace, e que o fiz desposar a linda, a fiel e honestíssima Helena...

ÚRSULA – Sr. Clarimundo!

CLARIMUNDO – Daí dois ódios... a mim, ódio à rival preferida! v. ex. não o pode negar, perseguiu Helena com a intriga, com o aleive, procurou nodoá-la, atentou contra a mais pura amizade e chegou ao ponto de denunciar-me a Maurício como o amante de sua mulher...

ÚRSULA – Oh!... eu o acreditei e tinha raiva, porque eu me supunha duas vezes ofendida... duas vezes... e era demais para uma mulher que havia sido amada!

CLARIMUNDO – E agora?... eu fui desde vinte anos o tutor de Helena, filha da pobre Helena que morreu como seu nobilíssimo esposo há vinte anos; e agora? que explica esse ódio de além túmulo?... por que agora é v. ex. que se finge amiga de Helena, e é seu irmão que perverte Adriano, e que se empenha em seduzir-lhe a esposa?... por que agora é v. ex. que excita aos ciúmes da infeliz filha da sua antiga rival, e é o seu dinheiro, minha senhora que paga as traições de Fábio, e o envenenamento moral de Adriano?... Úrsula! és tu, Úrsula, que estás assassinando Helena!...

ÚRSULA – Não! por Deus, eu juro que não! odiei Helena, a mãe, eu amo Helena, a filha... sr. Clarimundo, é verdade: Fábio me arrastou a esta casa... me comprometeu... me expôs a injustíssimas suspeitas... oh! tudo mais é falso... dou dinheiro a meu irmão, porque é ele só o único amor que me deixaram no mundo! mas eu não atraiçoei Helena! é falso!...

CLARIMUNDO – E Adriano... o pervertido...

ÚRSULA – Não sei... não sei... mas... Adriano... Adriano...

CLARIMUNDO – Verdade, Úrsula!...

ÚRSULA – É seu protegido... talvez seu filho... eu queria detestá-lo...e não posso!

CLARIMUNDO – Úrsula!... tu foste má... tu és... tu mentes, e Deus te castiga, Úrsula! antes do teu casamento nós nos amamos.

ÚRSULA – Clarimundo! eu quero sair... abre-me a porta...

CLARIMUNDO – Houve em nosso amor uma hora de delírio...

ÚRSULA – Oh! eu quero sair.. . abra-me a porta, ou grito!

CLARIMUNDO – O fruto do amor criminoso que se escondeu ao mundo, me foi confiado... depois a traição do casamento com a riqueza do velho milionário fulminou o meu amor... o que eu senti então foi ódio e raiva... Úrsula! eu te supus mãe desnaturada, e vinguei-me!... recebeste o anúncio da morte de nosso filho... mas...

ÚRSULA – E... então?... (Ansiosa.)

CLARIMUNDO – Meu filho... não... não... tu foste má... tu és má... (Indo abrir a porta.) podes sair...

ÚRSULA – Oh! não!... fala!... não quero sair... acaba!

CLARIMUNDO – Pois bem... eu menti... nosso filho vive!...

ÚRSULA – Meu filho!...

CLARIMUNDO – Castigo de Deus! tu lhe cavaste a perdição... procuraste perverter-lhe a esposa... armaste contra ele com o teu dinheiro a perversidade de teu irmão...

ÚRSULA – Adriano!... meu filho!...

CLARIMUNDO – Castigo de Deus! é completa a ruína de nosso filho, e hoje, atraiçoado por Fábio, perseguido pelos credores, já suspeito de um crime... a prisão... a desonra.

ÚRSULA – Oh! é falso! é impossível! inda há pouco ele estava aqui...

CLARIMUNDO – Sim e foi escapar à perseguição que o ameaçava aqui mesmo...

ÚRSULA – E tu que és seu pai... e tu?...

CLARIMUNDO – Não te disseram que estou pobre? ...

ÚRSULA – Oh! tanto melhor! eu ainda sou rica... eu somente o salvarei! onde está meu filho?... onde está?...

CLARIMUNDO – Úrsula! os compromissos são enormes...

ÚRSULA – Não excederão ao que possuo... e Adriano é meu filho... é... eu o sinto no coração... e tu não sabes talvez... mas tenho um sinal para reconhecê-lo... onde está ele?... depressa... eu quero ter a dita de salvar meu filho!...

CLARIMUNDO – Úrsula!... serás capaz de tão grande sacrifício?...

ÚRSULA – Tudo... tudo... tudo... e não é sacrifício... é glória... depressa...

CLARIMUNDO – Deus negou-te essa consolação: sou mais rico do que tu, Adriano está salvo.

ÚRSULA – Ah!... embora!... abençoado sejas!... abençoado em nome de meu filho...

ADRIANO (Batendo devagar) – José... abre, José!

ÚRSULA (Querendo correr.) – Meu...

CLARIMUNDO (Detendo-a.) – Contenha-se: Adriano sabe já que sou seu pai, mas deve ignorar quem é sua mãe, até que Helena esteja livre de perigo. (Em meia voz.)

ÚRSULA (Abatendo-se.) – Ah!

ADRIANO (Batendo devagar) – José... José...

CLARIMUNDO – É preciso mesmo que ele a não encontre ao lado de Helena: profundamente ressentido da mais vil perfídia de Fábio, volta sem dúvida suspeitoso... desabrido... e seria cruel para todos nós... e sobretudo para ti... Úrsula.

ÚRSULA – Meu Deus!... meu filho me aborrece...

ADRIANO (Dentro.) – Quem fala aí?... José! abre.

CLARIMUNDO – Confia em mim, Úrsula: entra neste gabinete e espera-me.

ÚRSULA – Tenha compaixão da mãe de seu filho. (Entra no gabinete.)

CENA XII

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CLARIMUNDO, que abre a porta, e ADRIANO


ADRIANO – Meu pai! e Helena?

CLARIMUNDO – Não há novidade.

ADRIANO – Ah!... (Respirando.) mas quando cheguei à porta do quarto antes de sair, estava lá dª. Úrsula... já se retirou?...

CLARIMUNDO (Afastando-o do gabinete.) – Fala baixo: porque o perguntas?...

ADRIANO – Eu não quero a irmã de Fábio junto de minha mulher.

CLARIMUNDO – Mais baixo: que sabes de dª. Úrsula?

ADRIANO – Acabo de abrir os olhos... fui indignamente comprometido e atraiçoado por Fábio; não creio que essa mulher seja alheia...

CLARIMUNDO – Simples desconfiança... eu também desconfiei; mas reconheci que fui injusto. Dª. Úrsula está inocente; deves respeitá-la.

ADRIANO – É irmã de Fábio: rogar-lhe-ei o favor...

CLARIMUNDO – Adriano... quero que ames e veneres essa senhora...

ADRIANO – Oh! mas é impossível!... meu pai... ela deve sair da minha casa.

CLARIMUNDO – Silêncio! És capaz de dominar-te para obedecer-me?...

ADRIANO – Meu pai...

CLARIMUNDO – Tu não podes fechar a porta de tua casa a dª. Úrsula... deves respeitá-la e amá-la, porque... silêncio... domina-te... ela é tua mãe... (Em voz muito baixa.)

ADRIANO – Oh!... minha... (Grande comoção.)

CLARIMUNDO – Silêncio! Há vinte e seis anos que eu a fiz acreditar na tua morte... agora escuta: as emoções do reconhecimento da mãe e do filho poderiam ser fatais a Helena; tu, Adriano, domina-te: filho do amor misterioso, não podes ser o primeiro a romper o segredo do teu nascimento, envergonhando tua mãe e abatendo-a na sociedade. Espera que Úrsula fale... é o seu dever de mãe, e o seu direito de senhora....

ADRIANO (Com esforço.) – Obedecerei... ela porém... (Com doçura.) minha mãe já sabe... que eu sou seu filho?...

CLARIMUNDO (Pronto.) – Não... e portanto bem vês que não podes... oh! sinto rumor lá dentro...

ADRIANO – Eu vou..

CLARIMUNDO – Espera a ordem do médico: o rumor não é de aflição... foi Helena que despertou... eu volto para levar-te. (Vai-se.)

ADRIANO – Meu Deus...

CENA XIII

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ADRIANO e logo ÚRSULA


ADRIANO (Aflito segue Clarimundo até à porta e volta a um sinal deste, passeia agitado; Úrsula sai, hesitando, do gabinete; silêncio de ambos... luta íntima... Úrsula quer ir-se e volta... olham-se, tremem, ânsia de ambos: não podem mais conter-se, atiram-se um ao outro.)

ÚRSULA (Grito abafado.) – Meu filho!...

ADRIANO (O mesmo.) – Minha mãe!... (Abraçam-se.)

ÚRSULA (Abre a camisa de Adriano e examina o peito esquerdo.) – Oh!... é meu filho! é meu filho!... (Abraçam-se: pranto de ambos.)

CENA XIV

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ADRIANO, ÚRSULA e CLARIMUNDO


CLARIMUNDO – Helena despertou... o doutor está rindo-se... ah! e os senhores aqui fora faltavam-me ambos à palavra!...

ADRIANO – Que felicidade meu pai!

ÚRSULA – Que seja completa! oh Clarimundo! dá-me o pai de meu filho para que eu o apresente a todos!

CENA XV

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ADRIANO, ÚRSULA, CLARIMUNDO, DR. GONÇALVES e logo HELENA, pálida, cabelos soltos e vestida de branco.


GONÇALVES – Parabéns! a moléstia revelou doce glória! a doente é uma esposa abençoada por Deus; e o marido, se foi leviano como dizem, tem o perdão pela dita, e vai em breves meses ser preso por mais um laço!...

ADRIANO (Correndo.) – Oh, minha Helena!... minha Helena!...

HELENA (Aparecendo à porta e abrindo os braços.) – Adriano!... meu marido!...

ADRIANO (De joelhos.) – Anjo de amor! de perdão! anjo de bem-aventurança na terra!

CENA XVI

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ADRIANO, ÚRSULA, CLARIMUNDO, DR. GONÇALVES, HELENA e CINCINATO


CINCINATO – Tudo feito! perdão, minhas senhoras... mas eu que por aqui arranjaram-se as coisas ainda melhor, do que eu as arranjei lá fora!...

CLARIMUNDO – O doutor fica sendo um amigo da família; Cincinato já o é; saibam pois o que em breve saberá a sociedade: Minha Helena! abraça o pai e a mãe de teu marido!...

HELENA – Ah! como sou feliz!... (Abraçam-se os quatro.)

CINCINATO – Por esta não esperava eu!... mas eis aí como pode ter sua poesia um casamento de velhos... que disse eu?... perdão minha senhora, isto é só com o noivo!

ÚRSULA (Apresentando Helena e Adriano.) – Meu filho! adora-a!... Helena é santa... (Adriano abraça Helena.)

CINCINATO – Se o é!... (Comovido.) Este milagre Deus fez só por ela!... (Soluçando.) Estou fora do meu elemento... declaro-me enternecido e fica declarado: Cincinato Quebra-louça... assinado... por cima de estampilha.


FIM DO QUINTO ATO E DA COMÉDIA