Rosa, rosa de amor (1902)/O dia seguinte do amor

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Aves fugidias que passais em bando
Pelo azul da tarde, sobre o azul do mar,
Aves fugidias que passais cantando,
        Que fazeis? Passar.

     De repente surgis. No vasto céu
Um turbilhão de alvura de repente cresce;
Passa, afasta-se, e ao longe, e como appareceu
        Desapparece.

Brancura macia de plumas, rumor leve
        De azas que ruflam de vagar,
        Passais como flocos de neve
Que sussurram no vento e se desfazem no ar.

De tudo isso que resta? Um quasi nada: apenas
        Em meu olhar distrahido
A vaga impressão de uma alvura de pennas,
E o echo de um rumor cantando em meu ouvido.

      Sonhos de amor, perfumados
Do aroma da flor da laranjeira,
      Botões de rosa desabrochados
Em goivos, desfeitos na lama e na poeira;

      Sonhos do olhar namorado
Ao descobrir, como um triumphador,
      Todo enlevado, todo enlevado,
Que uns seios de marmore arquejam de amor;

      Sonhos do ouvido, escutando
O ingenuo amor que se revela emfim
      Involuntariamente, quando
Em phrases que negam a voz diz que sim;

      Sabor do primeiro beijo
Que mal poisa, medroso, leve, leve,
      Num rosto virgem onde o pejo
Semeia de rosas brancuras de neve;

      Sonhos de amor, sois como a rosa
            Que, nem bem colhida,
Perde a frescura que a tornou formosa,
Perde o perfume que a tornou querida.

          Primavera vivida
De amar e ser amado aos vinte annos em flor,
Entrada triumphal do coração na vida,
          Amor, amor, amor!

          Rapida travessia
De um mar azul, rasgado entre rochedos nús
Nos quaes se ignora o amor, ou a alma se enfastia...
          Região lavada em luz

          Entre esses dous extremos
Tão proximos — o olhar que ainda não sabe ver
E o que vê — triste fim dos encantos supremos! —
          O que vale a mulher;

Miragens do desejo, enlevos da esperança,
Só é feliz o amor que espera e não alcança.

Infinita doçura, inegualavel coisa,
Contacto delicioso, ineffavel pressão
Da mão amada quando encontra a nossa mão
E, brandamente, e como achando um ninho, poisa;

O’ labios da mulher palpitantes de amor,
O’ labios que humidece o orvalho do desejo,
Doces labios servis onde abotôa o beijo,
Prestes a se deixar colher como uma flôr;

O’ seios brancos onde a paixão, a offegar,
Chama a paixão, attrai a carne, acena ao goso;
O’ seios brancos onde uns olhos de amoroso
Vêm reflexos do céu na ondulação do mar;

Encantos da mulher amada; commovidos
Deslumbramentos; gosto indizivel, sabor
Da unica hora feliz de toda a vida; amor,
Sonho em que a alma é que sente o goso dos sentidos;

No coração que de vós se alvoroça
Resplandeceis, miragens, enganos,
De uma luz que não é vossa...
Que é só dos nossos vinte annos.

Tremulas maretas que passais boiando
Pela flôr das ondas nos parceis do mar;
Tremulas maretas que alvejais cantando,
          Que fazeis? Passar.

          De repente surgis... No mar sem fim
Um turbilhão de alvura de repente cresce;
Passa; afasta-se; e como appareceu, assim
          Desapparece.

Brancura brilhante de espumas, sons velados
          Da agua no açude de um pomar.
          Passais, desfeitos, desmanchados
Na tristeza sonora das ondas do mar.

De tudo isso que resta? Ai! Quasi cousa alguma:
         Em meu olhar distrahido
A vaga impressão de alguns flocos de espuma
E o écho de um rumor cantando em meu ouvido...