Ah! Ser pássaro! ter toda a amplidão dos ares
Para as asas abrir, ruflantes e nervosas,
Dos parques através e dos moitais de rosas,
Nos floridos jardins, nas hortas e pomares.
Ser pássaro, cantar, subir, voar na altura,
Pelos bosques sem fim, perder-se nas florestas,
Das folhagens do campo em meio da espessura,
Das auroras de abril nas cristalinas festas.
Tecer no tronco seco ou no tronco viçoso
O quente lar do amor, o carinhoso ninho,
De onde sairá mais tarde o pipilar mavioso
De um outro mais gentil e meigo passarinho.
Não temer o verão e não temer o inverno
Para tudo alcançar na leve subsistência,
No contínuo lidar, no labutar eterno,
Que é talvez da alegria a mais feliz essência.
Viver, enfim, de luz e aromas delicados
Nascido dentre a luz, gerado dentre aromas,
Sonorizando o azul, sonorizando os prados
E dormindo da flor sob as cheirosas comas.
Voar, voar, voar, voar eternamente,
Extinguir-se a voar, no matinal gorjeio,
E ser pássaro, é ter em cada asa fremente
Um sol para aquecer o frio de algum seio.