Não lamentes, oh Nise, o teu estado
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putissimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas teem reinado:
Dido fui puta, e puta d′um soldado:
Cleopatra por puta alcança a c′ròa;
Tu, Lucrecia, com toda a tua pròa,
O teu cono não passa por honrado:
Essa da Russia imperatriz famosa,
Que inda ha pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.
Notas
editarVeja-se em geral a respeito dos sonetos marcados com a letra (D) o que acima dizemos no fim da nota a pag. 193
O de que ora nos occupamos, tem sido tão constantemente havido como producção de Bocage, é tão popular e conhecido, que não poderíamos dispensar-nos de aqui o reproduzir. Mas pede a verdade que se diga que Manoel Maria foi inteiramente extranho a esta composição. Conforme o testemunho irrefragavel dos comtemporaneos mais bem instruídos n′estas particularidades, o seu verdadeiro auctor foi João Vicente Pimentel Maldonado. É certo que ainda em vida de Bocage muitos lh′o attribuiram; porém elle nunca o reconheceu por seu: ao contrario, dizem-nos que consultando-o alguem a este respeito, respondera que lhe não agradava, mas que se o tivesse feito em lugar do verso
- O teu cono não passa por honrado,
teria dito
- Não passa o cono teu por cono honrado.
Outros mais reparos fez, que o sujeito de quem houvemos esta anecdota não nos pôde repetir, por lhe faltar a reminiscencia de caso passado ha tantos annos.
Este soneto ha sido parodiado em diversos tempos, e com differentes fins. Poremos aqui o seguinte, feito sobre pensamento analogo, e que se diz ser de José Anselmo Corrêa Henriques:
[Nota de Inocêncio Francisco da Silva. O soneto de José Henriques por ele referido pode ser conferido em Não lamentes, Alcino, o teu estado.]
- ↑ MATTOSO, Glauco. Bocage, o desboccado; Bocage, o desbancado. São Paulo: 2002. Disponível em <http://www.elsonfroes.com.br/bocage.htm. Acesso em: 28 maio 2014.
- ↑ SILVA, Inocêncio Francisco da (Org.). Poesias eroticas, burlescas e satyricas. Bruxellas: [S. n.], 1900. p. 194-195.