II

Ingratos




Jamais ao Imperador se ouviu uma queixa dos muitos que o trahiram ou abandonaram: antes repetidas vezes procurava excusal-os, diminuindo-lhes o crime ou a cobardia e abrigando-os sob o manto da paternal magnanimidade. D’isto dão numerosos testemunhos os que do Snr. D. Pedro II se acercaram na Europa. Só não se doêra, porém, si não fosse homem; e este soneto é um desafogo intimo. Entretanto não disfarçaremos ser o unico sobre cuja authenticidade paira leve sombra de duvida.

Na copia, que tivemos presente, lia-se este dizer, á guisa de dedicatoria: A M. D. F.— o que bem se poderia traduzir: A Manoel Deodoro da Fonseca. Ainda mais do que a d’este, porém, devera ter pungido ao Imperador a ingratidão de outros protegidos.

II

Ingratos



Não maldigo o rigor da iniqua sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o throno e a majestade,
Quando a dous passos só estou da morte.

Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta variedade,
Que hoje nos dá continua f’licidade
E amanhan nem—um bem que nos conforte.

Mas a dôr que excrucia e que maltrata,
A dôr cruel que o animo deplora,
Que fere o coração e prompto mata.

E’ vêr na mão cuspir á extrema hora
A mesma bocca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nella poz outr’ora.