Poesias (Bernardo Guimarães, 1865)/Evocações/Sunt lacrimæ rerum
Estas, que ides ouvir, canções singelas,
Forão de uma alma candida exhaladas,
Que muito soube amar,
E que da vida as horas apressadas
Todas gastou em render culto ás bellas,
Sem nunca se cansar.
Seu terno coração já des do berço
Scismava só de amores,
E nos mais verdes annos já provava
Das paixões o prazer e os amargores.
Pobre homem! — gozou e soffreu muito,
Colheu muita lição;
Mas nunca pôde encher o vacuo immenso
De seu insaciavel coração:
E ama ainda, o triste! — inda acredita,
Que sem amor no mundo não ha dita!...
E agora, emquanto vão seus dias pallidos
Para o occaso da vida descambando,
Evocando lembranças de outros tempos
Vai amores passados ruminando;
Bem como quem, ao coração cingindo
Um ramalhete de mirradas flôres,
Co’ pranto da saudade avivar tenta
O aroma e o viço das perdidas côres.
Não penseis que sou eu; — ha muito tempo,
Lá bem longe.... das brenhas na espessura,
Deixei perdida a lyra dos amores,
Que por vezes a mão da formosura
Engrinaldava de silvestres flôres.
Lá bem longe, — no seio das florestas,
Um dia eu esqueci-a pendurada
No tronco de frondosa copaíba, 23
Pelas auras da tarde balouçada
Em solitaria riba;
Depois de ter cantado longamente
Meus ultimos amores,
E de mesclar de minha amada o nome
Do dia extincto aos ultimos rumores.
Da noite o furacão impetuoso
Rugindo nos espaços
Arrojou-a no abysmo tenebroso
Desfeita em mil pedaços.
23 Copaíba. Uma das mais bellas e mais uteis arvores de nossas florestas, que dá o oleo do mesmo nome. Também se chama páo de oleo.