Ressurgir! Toda a doçura e todo o vigor da fé se resumem nesta palavra. É a flor do Calvário, a flor da cruz. O tremendo horror daquele martírio tenebroso desabotoa neste sorriso, e a humanidade renasce todos os anos a esse raio de bondade, como a formosura da terra à alegria indizível da manhã, o prelúdio do sol, o grande benfeitor das coisas. O homem, cercado pela morte de todos os lados, não podia conceber este ideal de eternidade, se não fosse por uma réstia do seu mistério radiante, divinamente revelado às criaturas. Nossos sonhos não inventam: variam apenas os elementos da experiência, as formas da natureza. Tem a fantasia dos viventes apenas uma palheta: a das tintas, que o espetáculo do universo lhes imprime na retina. E no universo, tudo cai, tudo passa, tudo se esvai, tudo finda. Nesse desbotar, nesse perecer de tudo, não havia o matiz, de que se debuxou um dia, na consciência humana, o horizonte da ressurreição.
Ressurgir! Digam aqueles que têm amado, e sentiram a sombra da agonia projetar-se no semblante de um ente estremecido, qual a impressão que lhe transpassava o seio nesses momentos de infinita amargura. Digam os que fecharam os olhos a seus pais, a seus filhos, a suas esposas. Digam os que já viram apagar numa cabeça inclinada para a terra a beleza, o gênio, o heroísmo, ou o amor. Digam os que assistiram, regelados, ao assentar da última pedra sobre o ataúde de um coração, pelo qual dariam o seu. Digam que outra é, nesses transes, a vibração do peito despedaçado, senão esta: o sentimento da perda irrevogável. Quem, senão Deus mesmo, nesse soçobro final de todas as esperanças, poderia evocar do abismo taciturno, onde só se ouve o cair da terra sobre os mortos, esta alegria, este alvoroço, este azul, esta irradiação resplandecente, este dia infinito, a ressurreição?
Ressurgir! Deus nosso, tu só poderias ser o poeta desse cântico, mais maravilhoso que a criação inteira: só tu poderias extrair da angústia de Getsêmani e das torturas do Gólgota a placidez, a transparência, a segurança deste consolo, dos teus espinhos esta suavidade, dos teus cravos esta carícia, da mirra amarga este favo, do teu abandono este amparo supremo, do teu sangue vertido a reconciliação com o sofrimento, a intuição das virtudes benfazejas da dor, o prazer inefável da clemência, divino sabor da caridade, a prelibação da tua presença nesta alvorada, o paraíso da ressurreição.
Ressurgir! Tu ressurges todos os dias, com a mesma periodicidade, com que se renovam os teus benefícios e as magnificências da tua obra. Nega-te a nossa maldade. Nega-te a nossa presunção. Nega-te a nossa ignorância. Nega-te o nosso saber. Mas de cada negação te reergues, deixando vazios os argumentos, que te negavam, como o túmulo, onde dormiste outrora um momento, para reviver dentre os finados. Entre o termo de um século assombroso e o começo de um século impenetrável, essa ciência, que te pretende remover para o domínio das lendas, surpreende-se agora deslumbrada na região do maravilhoso, onde se parecem tocar as coisas da terra com as do céu, em pleno amanhecer de uma criação nova, sobre a qual pairas, como pairavas no princípio dos tempos, e de cujo caos, decifrando os problemas humanos, emergirá outra vez a tua palavra, dardejando em plena ressurreição.
Ressurgir! Senhor, por que nos deste uma língua tão pobre na gratidão? Todos os que já descemos a segunda vertente da vida, e deixamos de nós ao gênero humano os frutos vivos, que nos deste, somos levados hoje a pensar no que seria a passagem da terra para aqueles, a quem ainda não tinhas dado na tua a imagem da nossa ressurreição. Iam-se os homens então como as folhas secas das árvores, precedendo-se, seguindo-se uns aos outros na continuidade estéril da queda, no irremediável do seu termo silencioso. Os pais geravam para a morte. As mães amamentavam para o túmulo. Bem haja o sacrifício e a crença daquele, que nos resgatou deste sombrio destino a paternidade, e nos permite hoje a bem-aventurança de beijarmos nossos filhos, na certeza de os havermos criado para a vida nova, a tua ressurreição.
Assim, Senhor, quisessem ressurgir em ti os povos, que te não crêem. A esses em vão procuramos dar com o aparato dos códigos humanos a lei, a ordem, a liberdade. Sua sorte é extinguirem-se, porque não tiveram fé, e não sentem a religião do Ressurgido, que não é só o evangelho das almas regeneradas, mas a boa nova das nações fortes. Essas absorverão a terra a bem do gênero humano, enquanto as outras acabarão com raças de passagem. E por sobre o futuro, que há de ser a tua glorificação, na voz das criaturas e dos céus se ouvirão para sempre os hosanas do teu triunfo: Ressurgiu!
Esta obra entrou em domínio público no contexto da Lei 5988/1973, Art. 42, que esteve vigente até junho de 1998.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.