Suspiros poéticos e saudades (1865)/As Saudades/A minha familia

Choram por mim... Por mim a mãe querida
Em soluços — adeus — nem dizer pode...
Debalde balbucia; os lábios tremem,
E a dor a voz lhe embarga...
Banhado tem o rosto
De cristalino pranto, e cor de sangue
Os olhos já cansados.

Lá vejo o caro pai sisudo e grave,
A quem anos as faces enrugaram,

E a fronte encaneceram;
A mão ao filho estende, e a bênção lança:
Boa viagem, diz, boa viagem;
Deus te guie, e te traga
Na sua santa guarda,
Sempre digno de mim, da Pátria digno.

Memorandas palavras!
Palavras de meu pai... n'alma do filho
Ausente, eternas ficarão gravadas.

Ternos irmãos — adeus — me estão dizendo
Com tão fúnebre acento,
Como se eu condenado à morte fosse.
Um por um os abraço, e adeus lhes digo.
Quero partir... forcejo; os olhos cerro...
Porém a dor que o coração me preme,
Forças me tira, e me fraqueia os passos;
Em borbotões rebentam
Lágrimas, que enxugar em vão pretendo.

Que mão gelada é esta, que me embebe
Duro alfange no íntimo do peito?
Que mão desapiedada me retalha

O coração magoado?
Mão da saudade, és tu, eu te conheço.

Oh momento de ausência, como és agro!
Mais agro não me foi aquele dia
Em que co'a morte ao lado,
Quase caí do leito à sepultura.

Já brilhava a meus olhos moribundos
A luz de bento círio,
Que ante um sagrado Crucifixo ardia.
Chorava minha mãe, e seus cabelos
Sobre meu frio peito debruçavam-se.
Colocado entre o mundo e a Eternidade,
Meu ser se dividia, e ingente peso
O aflito coração me comprimia,
Como se férreos braços me cerrassem.
Ah! porque inteiro conservou-se o estame
Em luta tão cruel? E' qu'eu devia
Sofrer mais este golpe, e da existência
Não estava inda o círculo completo;
Assaz não tinha o Mundo conhecido,
Conhecê-lo devia.


Neste instante que a dor absorve todo,
Não me vigoram de um porvir brilhante
Lisonjeiras lembranças,
Sonhos falaces, esperanças loucas,
Que embriagam a mente do acordado.

Quisera aqui morrer, quisera nunca
Estranhas terras visitar, que outrora
Eu tanto cobiçara,
Antes que os pais deixar, irmãos e Pátria.

Mas uma estrela guia
A seu destino o homem.
Quem de Deus penetrar pode os arcanos?
Quem do Eterno à vontade opor-se pode?
Cumpra-se a minha estrela... E nós choremos,
Que num vale de lágrimas estamos.
Chorando nossas mães vida nos deram,
Chorando à luz nascemos, e mil vezes
Esta vida choramos, e na morte
Uma lágrima ainda se desliza
Dos revirados olhos:

Das lágrimas a fonte só se estanca,
Quando da vida apaga-se a centelha.

Pais, irmãos me rodeiam.
Onde estão os amigos? Um ao menos
Não me vem abraçar neste momento?
Um só não terei eu, que me acompanhe
Até à triste praia,
E o ósculo da amizade aí me imprima
Na hora da partida?
Eu vos conheço, amigos!
Convosco fique a paz, fique a alegria,
Venha o pesar comigo.

Caro pai, boa mãe, irmãos queridos,
Meu último suspiro vosso seja...
Adeus... adeus; eu parto.

Rio de Janeiro, 3 de julho de 1833