Suspiros poéticos e saudades (1865)/As Saudades/Adeos á Patria

Adeus, oh Pátria amada,
Terra saudosa, onde eu abri meus olhos
Pela vez prima ao sol americano;
Onde nos braços maternais suspenso,
O teu amor co'a vida
No albor dos anos meus fruí gostoso.

Oh margens do Janeiro,
Eu me ausento de vós com mágoa e pranto!

Adeus, brilhante céu da terra minha!
Adeus, oh serras que vinguei difícil!
Adeus, sombrias várzeas,
Que vezes passeei meditabundo.

Adeus, augustas torres
Do templo, onde lavei-me do pecado!
O som funéreo dos sagrados bronzes
Ainda vem magoar os meus ouvidos,
E n'alma despertar-me
Tristíssimas, cruéis reminiscências.

Eis ali a montanha
Cujos pés beija o mar que em flor se esbarra.
Quantas vezes ali triste, sentado,
Minha alma no infinito se espraiava,
Os olhos vagueando
Sobre este mar, que deve hoje levar-me!

Sim, eu te deixo, oh Pátria;
E deixo-te lutando co'as procelas,
Que no teu horizonte se abalroam.
Ah! quanta dor o coração me punge,

Por ver alguns teus filhos,
Baldos de pundonor, como te olvidam.

Teus filhos... Ah! cubramos,
Se algum há, com desprezo o seu opróbrio.
Feras serpentes qu'entre mansas aves
Se aqueceram nos ovos, e mal nascem
Dilaceram os filhos,
E as próprias aves que lhes deram vida.

Malévolos sicários,
Raça espúria, sem Pátria, ermos de brio,
Já traidores alfanges afiando,
O ensejo só aguardam favorável
De ensopá-los no sangue
Daqueles a quem bens, e honra devem.

Não é pavor, nem susto
De aos pés calcado ser de intrusos Neros,
Nem de rojo levado ao cadafalso,
Que hoje arrancar-me de teu grêmio pode;
Nem a ambição me acena
Qu'eu vá mercadejar por longes terras.


Não, eu não temo a morte,
Nem dos tiranos temo a catadura;
sei firme assoberbar adversos fados;
Que o varão, que o dever toma por norte,
Sempre a Pátria antolhando,
Morte honrosa prefere à vida escrava.

Amor da sapiência,
Desejo de colher lições do mundo
Leva-me às margens do soberbo Sena,
Para, se me não for avessa a sorte,
Ante o altar da Pátria
Meus serviços prestar vir respeitoso.

A ti me voto inteiro,
Tu és o meu amor, minha alma é tua.
Só para te ofertar flores cultivo
Nos mágicos jardins da Poesia;
Se te apraz seu aroma,
Ah! como fico de prazer ufano!

Ah! praza a Deus que a nuvem,
Que obumbra ora teu céu, tão belo sempre,

A cólera do Eterno não desabe
Sobre as tristes cabeças de teus filhos!
Ah! praza a Deus que nunca
Teu Anjo tutelar fuja a teus lares!

Oh Senhor, tu protejes
O povo que se vota à Liberdade;
A Liberdade é dom que nem tu mesmo
Aos homens tiras; como um mortal ousa,
Erguido pó da terra,
Eclipsar os teus dons, manchar teu nome?

Cara Pátria, sem susto
Tua fronte levanta majestosa,
Como tuas montanhas, e teus bosques!
Não sejas só no mundo conhecida
Por teus ricos tesouros,
Pelos prodígios da sem-par Natura.

Oh Pátria, ovante marcha;
Já em teu seio encerras Varões dignos
De renome imortal; não te envergonhes
De cingir-lhes as frontes, de apontá-los.

São eles que te escoram,
E que te hão de elevar à Eternidade.

As solitárias ondas
Que hoje sonoras tuas: praias beijam,
Já outrora, não pedras, não espuma,
Mas cadáveres, e sangue arremessaram,
Cadáveres, e sangue
Dos nascidos nos teus sagrados bosques.

Se inimigos ousarem,
Armados contra ti, em frágeis lenhos,
Expelir o trovão, o raio, e a morte,
Abrir-se-hão estes mares a sorvê-los;
Seus lívidos cadáveres
Tuas areias juncarão de novo.

O coração pressago
Veemente palpita, e voz suave
Em meu peito ressoa, e me anuncia
Que o céu destes horrores te preserva;
O coração não mente;
A paz firmou-se em ti; seja ela eterna.


Como a enchente do Nilo
Que estendendo-se sobre a terra Egípcia,
Deixa após si fertilidade aos campos,
Assim, propicia paz, tu vivificas
O povo que te hospeda,
E por ti bafejada a indústria medra.

Como serei ditoso
Se dado ainda me for correr teus campos,
Beijar de anosos pais as mãos rugosas,
Abraçar os amigos, e arroubado
Nesse celeste instante
Novos, oh Pátria, cânticos tecer-te.

Rio de Janeiro, 3 de julho de 1833