Tendo o terrivel Bonaparte á vista

Tendo o terrivel Bonaparte á vista,
Novo Annibal, que esfalfa a voz da Fama,
«Oh capados heróes! (aos seus exclama
Purpureo fanfarrão, papal sacrista):

«O progresso estorvai da atroz conquista
«Que da philosophia o mal derrama!...»
Disse, e em férvido tom saúda, e chama,
Sanctos surdos varões por sacra lista:

D′elles em vão rogando um pio arrojo,
Convulso o corpo, as faces amarellas,
Cede triste victoria, que faz nojo!

O rapido francez vai-lhe ás canellas;
Dá, fere, mata; ficam-lhe em despojo
Reliquias, bullas, merdas, bagatellas.

Apezar da regra adoptada, alguns sonetos vão ainda incorporados n′este volume, que supposto não desdigam do estylo do auctor, e tenham sempre corrido em seu nome, nem por isso nos julgamos auctorisados a dal-os por genuinos. Pelo que os marcámos respectivamente com a letra (D) querendo com ella significar que os temos por duvidosos, não affiançando por modo algum a sua authenticidade. Já a pag. 173 tocámos alguma cousa com respeito a este soneto, escripto na occasião em que o exercito francez commandado por Bonaparte invadira os estados ecclesiasticos (1797), chegando quasi ás portas de Roma, e ameaçando o solo pontificio.

O verso 9.º:

D′ellas em vão rogando um pio arrojo,

envolve uma especie de equivoco, ou como hoje se diria um calembourg; porque Pio VI era o papa, que então presidia na universal egreja de Deus.

O penúltimo verso lê-se em algumas copias do modo seguinte:

Zumba, catumba; ficam-lhe em despojo, etc.

[Nota de Inocêncio Francisco da Silva]

  1. MATTOSO, Glauco. Bocage, o desboccado; Bocage, o desbancado. São Paulo: 2002. Disponível em <http://www.elsonfroes.com.br/bocage.htm. Acesso em: 28 maio 2014.