Outubro 1871.
O Clamor do Povo pensa dignamente que é menos delicado envolver em ironias vingativas uma mulher desgraçada. - A verdade, porém, é que a sr. condessa de Teba é apenas uma imperatriz despedida. A Srª condessa não foi uma esposa obscura e desinteressada do Governo, no fundo retiro dos seus quartos. S. Exª foi duas vezes regente; assinou proclamações, decretos, sentenças; constituiu ministérios; interveio na política do seu tempo, fomentou a reacção religiosa, presidiu, ao lado de seu marido, a conselhos de Estado. Estes factos colocam-na sob a crítica e sob a história. Se a Srª condessa de Teba, durante o governo amável de seu esposo, não se tivesse separado do seu cesto de costura, do berço de seu filho e das chaves da sua despensa, como fazem
SS. MM. as imperatrizes da Alemanha e da Rússia, ela teria sido simplesmente uma esposa e uma mãe inviolável, indiscutível, inatacável. Mas se S. Exª se manifestou na vida pública do seu País, como uma força política, gerente e reinante - cai logicamente sob o domínio da história, glorificada ou condenada. Se a história não pode falar das mulheres, porque são mulheres, com que direito então os livros sagrados amaldiçoam
Jesabel? Com que direito condena o Evangelho Herodíade, que matou João Baptista?
Levar para a história as preocupações de uma sala seria chique mas bacoco. Se devemos calar e chorar quando passa uma imperatriz destronada, que silêncio e que lágrimas devemos reservar quando no Evangelho passa Maria, mãe de Jesus, à volta do Calvário?
Os políticos não têm sexo: têm o sexo dos seus actos. Não podemos em boa verdade escrever histórias - unicamente masculinas. Seria privar-nos de saber o que pensaram tantas lindas cabeças, o que cometeram tantas lindas mãos, desde a nossa mãe Eva, a loura e bárbara curiosa! Se um historiador, sob o pretexto que Isabel II de Espanha é uma mulher, calar no futuro o seu reinado, o Clamor do Povo dirá que ele é um gentleman, e nós que é um grotesco. E se o século XX aprofundar esta questão, dirá que o Clamor do Povo é um romântico de xácara - e as Farpas umas burguesas de senso.
O Clamor do Povo diz que mais generoso que nós foi Vítor Hugo que, nos
Châtiments, deixa no silêncio a mulher de Luís Bonaparte. Mas, nesse tempo, o Clamor sabe que a Srª condessa de Teba ainda não era casada; era apenas uma loura amorosa, dançando nas Tulherias uma valsa desinteressada com o galante de Failly, coronel de guias! Hugo não podia prever na noiva de Saint-Cloud a regente de França. Por este lado ainda mais generoso que Hugo, creia o Clamor - foi Tito Lívio!
Diz o Clamor do Povo que não devíamos acusar a Srª D. Eugénia porque nunca recebemos ofensas de Napoleão III. Mais pasmado ficará o excelente jornal quando lhe afirmarmos que Nero foi um celerado - e todavia, pela nossa honra o juramos, nunca, nunca recebemos de Nero a mais ligeira descortesia! E por esse lado Michelet, Guizot,
Martin, só poderiam escrever a história de França se tivessem sido esbofeteados no boulevard - por Carlos Magno ou Pepino o Breve!
O Clamor do Povo pinta, com grande sensibilidade, a Srª condessa de Teba usando, depois de destronada, uma coroa de espinhos. Não vimos.
S. Exª, quando passou em Lisboa, levava apenas um elegante chapéu branco, evidentemente saído dos ateliers de madama Julie, em Bond-Street.
O Clamor do Povo, num artigo traçado com uma generosidade apaixonada e poética, censura às Farpas algumas páginas irónicas sobrea Srª condessa de Teba, imperatriz que foi dos Franceses da decadência.
Diz o Clamor que se não deve motejar uma senhora que não tem quem a defenda.
Oh! meu Deus, os jornais franceses dizem justamente o contrário - queixam-se de que a
Srª condessa de Teba tem quem a defenda de mais! A França, ao que parece, ferve em partidários bonapartistas. E de resto não tem ela seu marido? Não nos eximiremos a trocar com Luís Bonaparte uma estocada ou uma bala no alto de Alcolena, ou no Poço do Bispo, ao alvorecer do dia! O perigo está em que esse homem, pelo hábito, capitule.
O Clamor do Povo fez, de resto, um artigo eloquente, cheio dos mais cavalheirescos sentimentos, das imagens mais floridas, bela página poética, que tem apenas o defeito de que um trovador a poderia assinar.
N. B. - O Clamor do Povo alude às relações dos redactores das Farpas com o segundo império francês. Esclareçamos:
Um dos redactores das Farpas, achando-se em Paris, e almoçando em casa de
Véfour com o seu amigo II. James Mortimer, o mesmo que em Londres está redigindo hoje uma folha bonapartista, teve ocasião de oferecer ao imperador, por intermédio deste amigo comum, uma garrafa do mesmo vinho do Porto que o jornalista americano e o jornalista português tinham bebido juntos. O vinho foi achado delicioso nas
Tulherias: e, passados dias, aquele que devia ser depois o prisioneiro de Wilhelmshöe, fez entregar por M. de Conti, écuyer, um bilhete de visita ao que é agora redactor das
Farpas. Uma garrafa dada, um bilhete agradecendo. O redactor das Farpas julga-se quite com o segundo império.
O outro redactor desta crónica, estando no Egipto, teve ocasião de esperar a que era então S. M. a imperatriz dos Franceses, durante duas horas, no cais de Porto Said, sob um sol candente, até que S. M., desembarcando toda vestida de linho branco, com a sombra azulada da sua ombrelle chinesa ondeando-lhe sobre o colo, tomasse com aquele firme andar que fazia lembrar Diana, em Homero, a dianteira de um cortejo em que o redactor das Farpas se achava obscuramente incorporado.
Duas horas de sol, num areal do Egipto! Em redor, apertados no estreito cais de madeira, suavam e abanavam-se com os seus lenços de baptiste os Srs. de Beust, o duque de Aosta, o príncipe Frederico da Prússia, Abd-el-Kader, o príncipe da Holanda, e S. M. o imperador da Áustria.
Vinte dias depois, o mesmo redactor das Farpas passava no deserto do Sara sob um sol cruel. Era na areia fulva, a perder de vista. Pouca água, uma fadiga terrível.
Havia a distância um khan, espécie de casebre de pau, onde se podia ter abrigo e o repouso de um bom sono. O redactor das Farpas ia abrigar-se lá, quando teve de sair à pressa pela razão que estava chegando e se ia lá abrigar S. M. a imperatriz. O redactor das Farpas continuou sob o sol. Mas, confessa-o, nesse momento, lembrando-se também das duas horas de Porto Said, pediu mentalmente ao Deus justo que castigasse o segundo império - que lhe fazia apanhar tanto sol. A Prússia encarregou-se de vingar o redactor das Farpas. Ele julga-se igualmente quite com a família Bonaparte - e aproveita esta ocasião solene de agradecer publicamente à Prússia.