V

Janeiro 1872.

Revela-o ele, muito finamente, no seu folhetim de 5, no Diário de Notícias. Aí, acusando com gentil espírito, os que «fustigam a Pátria», desenha o País como superiormente perfeito, tão perfeito que na sua superfície social e morai não é possível encontrar nem uma fenda nem uma mancha: e aí declara que todo aquele que achar na

Lusitânia defeitos e no cisne farruscas — é burlesco.

Parece que, segundo o feliz Pinheiro Chagas, nós possuímos toda a perfeição de administração, toda a abundância de riqueza, toda a virtude de alma, toda a elevação de carácter, toda a beleza de forma — como aquela cidade ideal onde o jovem Telémaco e o calvo Mentor passeavam, coroados de louro s, trocando os períodos sonoros que o puro

Fénelon lhes colava alternadamente aos lábios.

E sabem quais são as provas que o nosso admirável amigo dá deste estado de perfeição a que chegou Portugal, desta superioridade inteiramente inacessível às raças inferiores?

Duas provas:

Termos descoberto o caminho da índia!

Termos, com a nossa energia, domado o Indostão!

Assim, segundo esta teoria de impecabilidade — sabem porque razão é o Sr.

Braamcamp um grande filósofo? — Porque nós descobrimos o caminho da índia. E todo aquele que, ou sobre a filosofia do Sr. Braamcamp ou sobre a grandeza de qualquer instituição nossa, puser restrições ou dúvidas — é burlesco. Assim as Farpas seriam burlescas — se ousassem duvidar da superioridade filosófica do Sr. Braamcamp; e sê-lo-iam se se atrevessem a negar, sorrindo, a excelência da nossa instrução pública. E isto porque nem o Sr. Braamcamp pode eximir-se a ser um filósofo tão profundo como

Kant, nem a instrução se pode esquivar a ser tão derramada como na Prússia — desde o momento em que nós outrora domámos o Indostão!

É este um sistema de progresso social fácil e cómodo: domar o Indostão. Quem doma o Indostão, está desde esse momento, na plenitude da verdade e na posse da abundância. Foi por não o ter domado que a França se acha nos embaraços da inconstituição. Foi por o não ter domado que Babilónia caiu! É um erro que uma nação comece a viver — sem se ter prevenido com alguns Indostões domados. Doma o

Indostão e deita-te a dormir. Doma o Indostão e fecha a escola — a população saberá ler. Doma o Indostão e não faças estradas a circulação aumentará.

As Farpas acusam a desorganização dos estudos. Mentira, os estudos são perfeitos, veja-se a energia com que domámos o Indostão!...

As Farpas censuram a ineficácia da direcção económica. Como esqueceis o

Indostão domado?

As Farpas acusam o enfraquecimento dos caracteres. E o Indostão, o soberbo

Indostão domado, desgraçadas?...

As Farpas condenam o procedimento tumultuoso da Câmara dos Deputados. Que ousais dizer, pois não domámos nós o Indostão?...

As Farpas revelam a decadência literária. Que novo agravo — pois nem a recordação do Indostão que domámos?...

Querem conhecer um cidadão absolutamente optimista, rara avis, nesta terra? — É o nosso amigo Pinheiro Chagas.

O País pode e deve dizer, em verso:

«Zoilos, tremei, que o Indostão foi meu!»