XXVIII
Julho 1872.
Assim, que murmuração hostil em torno do sermão político do senhor prior de
Belas! Realmente o caso é característico. — Tínhamos o sermão galante — e aparece-nos agora o sermão político — ou antes, tínhamos o sermão obsceno e estamos em presença do sermão inj urioso.
O sermão obsceno é uma particularidade minhota dos senhores missionários. Um de suas senhorias sobe devotamente ao púlpito, e depois das ave-marias murmuradas, olha pausadamente a multidão feminina, apertada e contrita, e com gestos sumptuosos, anuncia que vai tratar da castidade. Tratar da castidade significa contar a que se arriscam, nos futuros infernos de além-vida, os que cometem os ternos pecados do amor. E então o senhor padre, revolvendo o assunto com a sofreguidão com que um avaro revolve o dinheiro, dilata-se, explica, diz as palavras próprias cruamente, descreve, conta anedotas, especializa atitudes, faz certas proibições, marca dias, prescreve abstenções, divide as espécies, aprofunda, exalta-se, clama — e as mulheres coram. E a Correspondência de Portugal contava ultimamente que, num desses derradeiros sermões, o povo rompeu num grande tumulto indignado, e saiu do templo como de um lugar desonesto. Tal é o sermão galante.
Do sermão político deu-nos o senhor prior de Belas um exemplo acentuado e conciso. Sua senhoria debruçou-se levemente no púlpito, e a doutrina que ensinou foi que Vítor Manuel é um ladrão, e que é um ladrão o Sr. de Bismarck. De resto Pio IX é
Cristo. O que nos encanta neste sermão é a originalidade. E o sermão artigo de fundo.
Até aqui o sermão louvava o santo do dia ou comentava a festa sagrada; agora ataca a política e discute as dinastias. O padre é o jornalista de sobrepeliz. O púlpito alarga-se em tribuna. O sacerdote volta-se para o Cristo do altar e grita-lhe: peço a palavra sobre a ordem. O clero sai do Céu, e entra na Arcada. Põe-se de parte Deus, e enceta-se o Sr.
Braamcamp. — E leremos em breve nos jornais: «Tivemos ontem nos Mártires um belo sermão de oposição!
E ouviremos, na Quaresma, o Sr. Melício, o reverendo Melício, pregar em S.
Domingos sobre a questão do real de água!
Mas distingamos: o sermão do senhor prior de Belas não foi uma crítica política, foi uma difamação pessoal. O senhor prior não analisou historicamente, juridicamente, os actos de Vítor Manuel e as ideias de Bismarck; não: chamou-lhes simplesmente ladrões.
Isto significa que a nova espécie — o sermão político — é empregada não na crítica mas na injúria.
Quando se quiser comentar a política de um ministro lá está a imprensa, a tribuna, a conferência, o livro — isso é da competência profana: mas quando se quiser injuriar o
Eis aí, espetada na ponta da nossa pena, mais uma proeza eclesiástica. Os senhores padres prodigalizam-se, e os seus feitos despertam a cada momento, com um rumor irritado, o silêncio da opinião. O País está com o clero, como um homem débil e nervoso que sente umas unhas compridas raspar a cal da parede. Encolhe-se, dobra-se, geme. E termina por mostrar aos senhores eclesiásticos os seus dois poderosos punhos — fechados e impacientes. ministro, lá está o púlpito — isso entra na atribuição eclesiástica.
O sermão político, seguindo o exemplo discutido, nada tem com a crítica legal, parlamentar, científica; o sermão é sempre para o vitupério. Quem quiser uma apreciação sobre o Sr. Fontes, dirige-se à Gazeta do Povo: só no caso extremo de o querer injuriar, é que se dirige ao pregador: e este, revestido dos seus hábitos, sobe ao púlpito, e na presença das imagens, depois de se persignar e de tossir, com gesto devoto, fazendo ondear a estola — debruça-se e clama:
«Meus amados ouvintes, O Sr. Fontes é um ladrão. Peço um padre-nosso e duas ave-marias.»
Quando Monsenhor Oreglia, núncio apostólico de Sua Santidade, partiu para
Roma, levou consigo, como um documento vivo e actual, a colecção das Farpas, cheias de história eclesiástica: «Hei-de dar isto a ler no Vaticano, e há-de fazer seu barulho», disse Sua Eminência. — E assim a crítica inquieta teve a honra de ir depor diante da imutável tradição! Pedimos a Monsenhor que deponha estas páginas verídicas, perfil exacto dos sermões portugueses, aos pés do Santo Padre — com a unção dos nossos respeitos e o beijo de paz nas suas mãos apostólicas.