Assim decorreram duas estações, impregnadas, com a vinda de Maffei, de aborrecimento e marasmo.
Uma noite, estavam todos reunidos em volta da mesa; era a hora da ceia. Rosalina servia, preocupada, um prato de peixe com lentilhas, reverberava-lhe nessa ocasião uma esperança na alma, tinha de todo resolvido falar ao pai a respeito de Miguel.
Ângela conhecia os planos da pupila e prestava-se se fosse necessário a ajudá-la.
A refeição passou-se silenciosa; ao terminarem-na, quedaram-se por meia-hora, imóveis nos seus lugares, mudos.
Ouvia-se lá fora bater o vento nas oliveiras, ouviam-se o as cantigas longínquas dos pescadores nas praias opostas.
Rosalina, com as mão frias, trouxe a Maffei o cachimbo.
O velho pôs-se a fumar voltado para o lado da rua e a seguir com a vista no caminho, que lhe nascia à porta. Estava sombrio como nunca.
Faltava a Rosalina ânimo de falar ao pai; finalmente, tomando uma resolução extrema foi-se-lhe encostar ao grosseiro espaldar da cadeira.
O homem de tão preocupado não se apercebera disso; um beijo da filha despertou-o, porém, não o comoveu. Refratário à ternura, continuava secamente a fumar.
Rosalina, cujo coração pulsava cada vez mais impetuosamente, passou-lhe um braço em volta do pescoço, e com a mão livre messando-lhe os cabelos; entre o receio e o desejo, mais medrosa que terna:
— Estou triste!
— Por quê? Interrompeu indiferentemente o pescador.
Ângela ouvia com interesse este diálogo.
— Tenho medo de pedir-lhe uma coisa...
— E por quê tens medo? Insistiu o velho, sempre a fitar maquinalmente a estrada.
— Porque vai ralhar comigo.
— Então, queres pedir-me alguma tolice?...
— Não senhor!...
— Então pede...
— Promete não se zangar?...
— Sim !
— E quando souber que tenho um namorado? Disse abaixando os olhos Rosalina, porém, agora mais terna do que medrosa.
Ao ouvir as últimas palavras da filha, Maffei tirou vagarosamente o cachimbo da boca e voltou-se, cravando nela os olhos vivos e interrogadores.
A rapariga estremeceu empalidecendo, sentia-se já arrependida do que houvera arriscado e com dificuldade conseguiu dizer vacilante.
— Não senhor! não tenho!
— Com que, tens um namorado?! repisava entre-dentes o pescador, ruminando a frase.
Rosalina conservava o olhar baixo e, perturbada, alisava com a unha do polegar da mão direita a costura do corpinho.
— Com que, tens um namorado?!... repetia o velho.
— Porém - disse trêmula e sem levantar os olhos Rosalina - ele me quer tanto! E eu estou afeita a vê-lo... e abaixando mais a voz, quase a falar consigo, continuava - que era um bom moço, trabalhador, e que tudo era para bem, ele queria esposá-la, que...
— Quem é? interrompeu asperamente Maffei.
— É... é... Miguel Rizio...
Um raio não produziria o efeito desta revelação. A fisionomia do velho alterou-se apopleticamente; firmado nas plantas, levantou-se como impelido pelas molas da cólera e descarregou com bruta excitação na mesa, o punho cerrado e nervoso.
Foi um avermelhar de olhos, um crispar de lábios, um contorcer de nervos, mais rápidos que o relâmpago. Estava transformado.
— Miguel Rizio! um miserável!...
E ria-se ironicamente.
Rosalina, toda trêmula, tinha a cabeça baixa e o olhar arrependido; apertava-se-lhe naquele momento o coração, como se tivesse cometido um crime; dos lábios semi-abertos, fugia-lhe um rosear frouxo e trêmulo, como um cardume de mariposas.
O vulto sombrio e preocupado do velho começou a passear automaticamente de um para outro lado da casa.
Tinha na fisionomia o sobressalto do marinheiro em perigo, nos movimentos umas ligeiras crispações, que lembravam o balanço do navio.
Era uma capitão no seu tombadilho; as sombras do passado e do futuro, as vagas do grande oceano que o embalava; a confissão da filha, o vendaval.
E assim passeava sem se dirigir a ninguém; falava sem se voltar para Rosalina, parecia conversar com Deus, ou com o demônio! Saíam-lhe da boca as palavras escandecidas e ásperas como as pedras de um vulcão.
— E necessariamente ele vinha cá!... E eu ignorava que a minha casa era frequentada por um Miguel Rizio!...
E voltando-se depois para afilha, como se falasse a um marinheiro, exclama em tom de ordem:
— Não quero casar-te com um maltrapilho daquela laia! Entendes?! Ele bem o sabe, que me evita, o miserável!... Tenho-te reservado - nome e posição! - Somente de ti depende a minha e a tua felicidade, pelo menos enquanto fores bela! Nada tenho a recear daquele mendigo, porque partimos depois de amanhã para Nápoles! Veremos se o maldito lazarone vai lá perseguir-nos! E quanto a ti - bradou ele com mais força, apresentando a cara defronte da de Rosalina - quero que não o tornes a ver!... Entendes?!...
— Sim, senhor - fez timidamente Rosalina.