Ir para Nápoles!

Viver na grande capital, com opulência, beleza, mocidade, saúde, alegria, admiradores; isto é, realizar o mais dourado dos sonhos, a mais sonhada das esperanças, o desejo mais querido e a mais brilhante expectativa do coração de uma mulher bela e vaidosa.

Tal era o quadro que Maffei descortinara aos olhos fascinadores da filha, tal era a cornucópia abundante, cuja fortuna sufocava de alegria o coração, ainda terno de Rosalina.

Do fundo da sua obscuridade, sentia a formosa filha do pescador as convulsões da pérola nas profundezas do oceano.

Era a sede formidável de luz e de brilho, de admiração e de inveja! A febre de aparecer e ofuscar! O direito da beleza e a impaciência do ouro!

Vaidade! Vaidade grosseira da matéria! Que supõe desperdício esquecer na ostra singela e honesta a jóia digna de se corromper na cabeça de um rei!

Vai, criança sonhadora! E que te hajas tão ditosa que para ti Nápoles seja somente o que o diadema de uma princesa é para uma pérola.

Porém Miguel?! O querido namorado de Rosalina!?...

Oh! Que imprudência... lembrar uma lágrima, quando se trata de todo um futuro de prazeres e galas!

Quem se importa da pétala da rosa, que o trem faustoso do rico, ao passar altivo, esmagou no caminho?!

Todavia, Miguel era um ponto sensível e doloroso no coração da moça ambiciosa. A despeito de tudo, ela ainda o amava, e, no meio dos sonhos de grandeza, tinha para o pobre artista um suspiro de amor e saudade, ainda o via, no fundo brilhante do seu quadro de irradiações e alegrias, sombrio, triste, meio espectro, meio homem, a chorar talvez, com certeza a sofrer. Via-o ela esbelto e delicado, contra a luz das suas esperanças, e sentia-se projetar-se no disco iriado de seu coração a sombra negra desse vulto querido.

Não há felicidade, por mais completa, que não ressinta de uma mancha ao menos!

Todo e qualquer obstáculo, por mais mesquinho e miserável que seja, produz uma sombra relativa.

Subtraiam todos os mundos, todos! Que o firmamento fique um nada infinito. Então deixem brilhar unicamente o sol, isolado e egoísta. Só ele! e a sua luz a perder-se pelo nada.

Não se pode certamente julgar mais completa e inteira luz; pois bem, tragam depois um grão de areia, só um! coloquem-no defronte do sol e será perturbada essa imensa pureza de luz! Um mesquinho grão de areia contra a enormidade da luz do sol! Todavia, o grão de areia será uma sombra!

Assim também grande e cheia era a taça de néctar, que Maffei entregara à filha, porém nessa taça havia uma gota de fel: era o amor do artista.

A fortuna passara a cobrir Rosalina de beijos, porém nesse aluvião de carícias foi de envolta uma arranhadura.

Pobre Rosalina!

E neste vacilar, entre a felicidade e a dor, entre o bem e o mal, escrevera a Miguel uma carta, contando-lhe, com honesta franqueza, o que se passara, e prometendo-lhe uma entrevista, às ocultas do pai.

O rapaz ficou fulminado ao receber a notícia; entretanto, sofreu todas essas coisas afetando a mais indiferente tranqüilidade. Exteriormente, parecia no seu estado normal de tristeza e inteligência, e contudo não conseguiria, se o tentasse, ligar duas idéias.

Tinha a lucidez no olhar, porém, as trevas no cérebro!

De queixas, nem vestígios!

De resignação - todos os sintomas!

Depois da chegada do pescador, o músico nem cuidava de si; esquecera obrigações e talento!

Coitado! Sem família, sem um amigo ao menos, um companheiro com quem dividisse fraternalmente o seu infortúnio, sofria, o desgraçado, essa dor ignorada, que só tem uma expressão - a lágrima; só sabe um caminho - o do túmulo!