D. Paula não teve a lua-de-mel deliciosa que esperava. O casamento fora obra de reflexão e de conselho. Assim, o amor que adormecera nela, pouco depois de nascido, acordou espantado de tornar à realidade das coisas, e principalmente de não as reconhecer. Como Epimênides, via um mundo diverso do que deixara. Esfregou os olhos, uma e mais vezes, tudo era estranho. O Xavier de três anos passados não era este de hoje, com as suas feições duras, ora alegre, ora frio, ora turbulento — muitas vezes calado e aborrecido —, estouvado também, e trivial — sem alma, sem delicadeza. Pela sua parte, Xavier também não achou a lua-de-mel que pensava, que era um astro diferente daquele saudoso e porventura poético, vertendo um clarão de pérolas fundidas — mais ou menos isto — que a mulher sonhara achar ao pé do noivo. Queria uma lua-de-mel patusca.
Um e outro tinham-se enganado: mas estavam unidos, cumpria acomodarem-se — com a sorte. Ninguém troca o bilhete de loteria que lhe saiu branco; e se o emenda, para receber um prêmio, vai para a cadeia. O bilhete branco é o sonho; deita-se fora, e fica-se com a realidade.
Quatro meses depois de casado, Xavier teve de ir ao Rio de Janeiro, onde se demorou poucos dias; mas voltou no mês seguinte, e demorou-se mais, e afinal amiudou as viagens e dilatou as demoras. A primeira suspeita de D. Paula é que ele trazia amores, e não lhe doeu pouco; chegou a dizê-lo ao próprio marido, mas sorrindo e com brandura.
— Tolinha, respondeu ele. Pois eu agora...? Amores...? Não me faltava mais nada. Gastar dinheiro para dar com os ossos na corte, atrás de raparigas... Ora você! Vou a negócios; o correspondente é que me demora com as contas. E depois a política, os homens políticos, há idéia de fazer-me deputado...
— Deputado?
— Provincial.
— Por que não aceita?
— Eu, deputado? Tomara eu tempo para cuidar de mim. Com que, então, amores? continuou ele rindo. Você é capaz de fazer pensar nisso.
D. Paula creu no marido, estava então grávida, e punha grandes esperanças no filho ou filha que lhe nascesse. Era a companhia, a alegria, a consolação, tudo o que o casamento não lhe deu. Como se aproximasse o termo da gestação, Xavier suspendeu as viagens à capital; mas por esse tempo apareceram na fazenda uns três sujeitos, que se hospedaram por dias, e com quem ele jogou à larga. A mulher viu que ele amava as cartas. Em si o jogo não a incomodava; alguns parentes seus davam-se a essa distração, e nunca ouvira dizer que fosse pecado nem vício. O mal vinha da preocupação exclusiva. Durante aqueles oito dias, Xavier não pensou que era casado ou fazendeiro: todo ele era cartas. Sabia muitos jogos; mudava de um para outro, com o fim de dar descanso ao espírito.
— Enquanto se descansa, carrega-se pedra, dizia ele aos parceiros. Acabaram os oito dias, os hóspedes foram-se, com promessa de tornar mais tarde. Xavier, apesar de haver perdido muito, estava bonachão. Outras vezes, embora ganhasse, irritava-se. Por quê? Estados de alma que os fatos externos podiam explicar até certo ponto, mas que prendiam naturalmente com a índole do homem. Não era o dinheiro que o seduzia no jogo, mas as cartas, quase que só elas. Certo, preferia ganhar a perder — até para ter sempre com que jogar, mas era o jogo em si mesmo, as suas peripécias, os seus lances, as rodas de fortuna, a ansiedade na espera, a luta, a superstição, a fé em uma carta, a descrença em outras, todas as comoções trazem [1] o meneio delas. Quando jogava assim uma boa temporada, dia e noite, ficava farto por algum tempo. O pior é que o prazo do descanso ia diminuindo, e a necessidade vinha cada vez mais cedo.