Versos da mocidade (Vicente de Carvalho, 1912)/Ardentias/Velha canção

VELHA CANÇÃO

Nunca eu pensára em Roza. Ela tinha vinte anos,
Eu, quinze. Uma manhã, deu-me ela o braço, rindo,
E ambos, rindo, a palrar, fomos leves e ufanos,
Campo em fóra, a vagar sob o azul do ceu lindo.

Muito senhor de mim, sereno, eu caminhava
Ao seu lado, a falar, com distraída voz,
De que? Nem sei. De mil nadas. Ela escutava;
E o seu olhar azul me perguntava: — E apóz?

Tentando ela apanhar um jambo num jambeiro,
Prendeu-se-lhe no galho a manga; e, arregaçada,
Poz-lhe indiscretamente á mostra o braço inteiro.
Ela córou. Eu ri. Ela sorriu. Mais nada.

Insinuando-se entre a emaranhada alfombra,
Um córrego rolava espumas furta-cor.
Em róda, a natureza adormecêra á sombra
Cheiroza e tutelar das arvores em flor.

Com um ar de criança, ela, rapidamente
Descalçou-se... Eu sentei-me, atoa, no barranco;
Puz-me a olhar o regato — e na agua transparente
Vi um pé pequenino alvejar, muito branco...

Voltámos. Roza vinha apoiada ao meu braço.
Absorta, mal dizia um sim ou não banal.
E eu achava-lhe um ar estranho, de cansaço
Ou dezanimo... Um ar diferente, afinal.

Já nem sabia mais o assunto em que falar-lhe.
Caminhava ao seu lado, acanhado e indecizo,
Vendo-a ás vezes sorrir, e ás vezes borbulhar-lhe
Um suspiro atravez das rozas de um sorrizo.

Fomos andando assim. Chegámos, está visto.
Ao separar-nos, Roza, estendendo-me a mão,
Disse-me: — Bem, adeus! Não pensemos mais nisto!
...E é só nisso, afinal, que eu penso desde então.