DA HISTORIA
DAS COISAS MAIS MEMORAVEIS
NOS ANNOS DE 1613 A 1614.
Notas Criticas e Historicas sobre a viagem do padre Ivo de Evreux por Mr. Ferdinand Diniz
editar1 (frontespicio).
Esta vasta provincia, uma das mais florescentes do Brazil, antes da chegada dos missionarios francezes não teve estabelecimento algum importante. Eram arbitrarios os seos limites, convindo não esquecer que a immensa capitania do Piauhy fez parte d’ella até 1811. Presentemente tem 186 legoas, de 20 ao gráo, de comprimento, 140 de largura, e nunca menos de 20,000 legoas quadradas de superficie. Fica entre 1° 16′ e 7° 35’ de lat. merid. Confina ao N O com o Pará, servindo de linha divisoria o Gurupy, á N E é banhada pelo Occeano Atlantico, a S E com o Piauhy, separando-a d’elle o rio Parnahyba, e finalmente a S com a provincia de Goyaz pelo rio Tocantins. [1]
Ainda que seja quente e humido o clima do Maranhão é sadio. As chuvas que fertilisam este rico territorio principiam regularmente em outubro.
O aspecto geral do paiz offerece por toda a parte ondulações do terreno, mas em nenhuma offerece elevações consideraveis, exceptuando-se d’estas asserções geraes e por força mui summarias a comarca de Pastos-bons, onde se encontram montanhas como sejam Alpercatas, Valentim, Negro etc. É regada por 14 correntes d’agoa.
De todos estes rios é o Parnahyba o mais consideravel: infelizmente suas margens não são totalmente sadias, pois em varios pontos, como em quasi toda a provincia, reinam as febres intermitentes. Avalia-se seo curso em 240 legoas. O Itapecurú, seo immediato, e de que falla constantemente o Padre Ivo d’Evreux, banha apenas 150 legoas de terreno, o Mearim 78 legoas, sendo ainda menos consideraveis o Pindaré, o Tury-assú, o Gurupy, e o Manoel Alves Grande. Julga-se que é de 462,000 pessoas a população de toda a provincia, embora diga o relatorio official da presidencia, com data de 3 de julho de 1862, que esta cifra é apenas de 312,628 almas, sendo 227,873 livres e 84,755 escravos. Convem observar, que o recenseamento geral da população do Imperio, feito em 1825, dava apenas 165,020 almas, sendo esta cifra muito inferior á realidade, porque recusaram muitos Srs. dizer com certesa o numero dos seos escravos.
Nada se sabe, e nem será possivel saber-se exactamente, a respeito da povoação nomade dos indios, isto é, d’aquella cujo conhecimento seria muito curioso afim de apreciar-se as mudanças, que houveram nas aldeias depois do que escreveo o Padre Ivo, podendo apenas dizer-se que é maior no Maranhão, no Pará, e na nova provincia do Rio Negro, do que n’outra qualquer parte.
Em summa o governo só tem dados mui imperfeitos e raros sobre estas infelizes hordas, das quaes se occupa actualmente.
Os cuidados tardios, embora caridosos, da administração provincial, tem que acabar muitos males afim de que seja completa a reparação.
Tudo ainda está por fazer relativamente aos Indios.
Não souberam estas tribus conservar nem a dignidade que dá completa liberdade aos habitantes das florestas, e nem os principios de civilisação, que se intentou incutir-lhes no seculo XVII.
Reconcentradas no interior por Mathias de Albuquerque, dizimadas pela variola, hoje são apenas a sombra do que foram sob o dominio dos seos chefes independentes.
Esta população indigena é comtudo maior nos desertos do Maranhão, e embora d’ella não tratem certas estatisticas, é avaliada em 5,000 o numero dos indigenas reunidos em aldeias.
Si dermos credito á um intelligente militar, que viveo em constantes relações com elles por espaço de 20 annos, a sua decadencia physica é menor que a moral, pois perderam até a reminiscencia de suas tradicções théogonicas, ainda mal, visto ser muito curioso o comparal-as com a narração dos antigos viajantes francezes.
Sob este ponto são elles menos favorecidos que os Guarayos, visitados por Orbigny, os quaes ainda hoje repetem em seos canticos as legendas cosmogonicas do seculo XVI.
Os indios do Maranhão, entre os quaes se contam os Timbyras, os Gés, os Krans, e os Cherentes não podem fornecer ao historiador senão informações mui incompletas, pois que ha perto de 40 annos já o major Francisco de Paula Ribeiro se queixava do immenso esquecimento d’elles, (vide Revista Trimensal, tomo 3.º, pag. 311) esquecimento fatal de grandes tradicções, pelo que se tornam hoje preciosos certos livros, como sejam os dos nossos velhos missionarios, onde pelo menos se encontram os mythos antigos, ahi escriptos para serem combatidos.
De vez em quando entre estes indios degenerados apresentam-se alguns homens energicos, que comprehendem o abatimento de sua raça, e que desejariam vel-a progredir, porem são mui raros, pouco comprehendidos, e demais só olham para o futuro, e não experimentam amor algum por sua antiga nacionalidade.
Seos compatriotas longe de ajudal-os nos trabalhos emprehendidos para melhorar seo futuro, ainda os amesquinham com o seo odio tão irreflectido quam brutal.
Foi o que aconteceo a Tempe e a Kocril, chefes conhecidos pelo major Ribeiro. Trabalharam inutilmente para chamar ao caminho da civilisação as tribus, cujo governo lhe foi confiado, e a final foram victimas do seo zelo.
Vide «Memoria sobre as nações gentias, que presentemente habitam o continente do Maranhão escripta no anno de 1819 pelo major graduado Francisco de Paula Ribeiro, Revista Trimensal, T. 3º pag. 184.»
De passagem disemos, que não deixaram descendentes, pelo menos conhecidos, os Tupinambás cathequisados pelos missionarios francezes, suppondo-se apenas, que um ramo d’esta grande nação ainda hoje povôa Vinhaes e Villa do Paço do Lumiar, achando-se no mesmo caso S. Miguel e Tresidélla, a margem do rio Itapecurú, e Vianna, no Pindaré.
Com mais probabilidade ainda confundiram-se os Tupinambás com as tribus do inferior, tomando os nomes de Timbyras e Gamellas. São tambem subdivisões dos Timbyras os Sakamecrans, os Kapiekrans ou Canellas-finas, e os Gés, que vagam pelas grandes florestas á Oeste do Itapecurú. Nega o major Ribeiro, que ainda sejam antropóphagos estas diversas tribus. N’este escriptor imparcial, e que reconhece a ferocidade dos Timbyras, é que se deve estudar as horriveis represalias, de que tem sido elles os indios, sendo a escravidão a menos sanguinolenta. Elle avaliou em 80:000 o numero d’indios selvagens, embrenhados nos mattos em 1819, hoje sem duvida consideravelmente diminuido.
Notas de rodapé
editar- ↑ Consulte-se a respeito de todos estes assumptos o meo Diccionario historico e geographico do Maranhão. Iria longe se eu quizesse acompanhar parí passu esta publicação, onde não poucas vezes foi illudida a bôa fé de Mr. Ferdinand Diniz. — Do traductor.