Doenças do Padre José

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As doença e indisposições do Padre José foram muitas e quase contínuas, por todo o tempo em viveu no Brasil, que foram quarenta e quatro anos, nas quais sempre mostrou muita paciência, ânimo e exemplo. Tiveram elas princípio daquela grande que teve em Coimbra, que se lhe gerou, do que direi.

Servia na sacristia, e tinha por ocupação ajudar cada dia a oito ou mais missas, de joelhos, do qual trabalho, como noviço, se não sabia escusar, e pela devoção e gosto espiritual que sentia, não imaginava poder-lhe dali vir dano algum. Todavia daqui se lhe veio a gerar uma dor em uma ilharga, que muito o atormentava, mas não deixava de ir por diante em sua em sua santa ocupação.

E quando lhe vinha a dor, não fazia mais que, torcendo-se acudir ao lugar em que a sentia, e com a mão no ourelo apertar-se rijamente, o que fez tantas vezes, e com tanta força, que veio a abalar os ossos do espinhaço; e assim apareceu aquele jeito nele, sem nunca mais tornarem a seu lugar. Uma das coisas que mais realçava suas virtudes, oração e mais exercícios espirituais, e o zelo da salvação das almas, é que nunca suas doenças e indisposições foram causa de se negar a nenhuma empresa desta qualidade, ainda que muito trabalhosa, nem o acovardaram para deixar de fazer com muita perfeição, as obras que pedem muita atenção no interior, e no exterior devota composição.

Louvor semelhante àquele que os escritores de vidas de santos dão ao Papa São Gregório, e a São Jerônimo, e a outros grandes servos de Deus em todas as idades, que lutando quase de contínuo com as enfermidades, não afrouxaram em suas santas ocupações.

De sua morte gloriosa — Idade do Padre

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Ajuntaram-se à sua pouca saúde outras doenças, causadas de novo de frios, fomes, cansaço, e outras incomodidades corporais, das quais por irem em crescimento com a idade, entendeu serem já poucos seus dias.

Estava neste tempo, na casa do Espírito Santo; recolheu-se para uma aldeia dos índios, quatorze léguas da vila onde nossos padres residem doutrinando a gente da terra, do orago de Nossa Senhora, de quem era devotissimo. Parece que quis receber da mão de Deus a morte entre os índios, em cuja conversão, com muitos trabalhos, tinha recebido da mão do mesmo Senhor muita perfeição. Adoeceu e durou a enfermidade obra de seis meses, fazendo várias mostras de mais, ou menos saúde.

Veio-se à vila por ordem do Superior Sacramento da Eucaristia por Viático, e depois o da Santa Unção, e ao mesmo dia entrou no artigo da morte, estando presente cinco padres nossos que residiam nas aldeias.

Esteve agonizando obra de meia hora, com tanta quietação e paz, como se estivera em oração, e com os olhos agradecia as lembranças que lhe faziam. E assim deu seu espírito a Deus, em nove de junho de mil quinhentos e noventa e sete anos, dos quais viveu na Companhia quarenta e sete, e dezessete de que entrou nela, são sessenta e quatro, que foram os que viveu neste mundo, três em Portugal e quarenta e quatro no Brasil.

Sabida a morte do bom Padre José, houve muitas lágrimas e geral sentimento nos padres, nos portugueses e índios de toda a Capitania, porque todos o tinham por pai, e sabiam quanto o haviam de achar menos em suas necessidades. Foi amortalhado sem cal nem outro defensivo para a corrupção e mau cheiro, e, metido em um caixão, o trouxeram os índios às costas, e o padre João Fernandes o acompanhou a pé aquelas catorze léguas, e no cabo da jornada disseram os índios que, em lugar de cansaço, sentiram muito alívio e consolação, e o mesmo afirma de si o padre em seu testemunho. Os índios todos da própria aldeia vinham por essas praias pranteando-o, e seguindo os que o traziam, porque a todos tinha merecido muitas mostras de amor. Chegado o corpo ao porto da Vila do Espírito Santo, acudiu logo o Capitão Miguel de Azeredo, o Administrador Bartolomeu Simões Pereira, com toda a clerezia, os religiosos de São Francisco, que ali têm casa, o provedor da Santa Misericórdia com a Irmandade, bandeira e tumba, ricamente ornada, as confrarias com sua cera, e toda a gente da vila. Trouxeram-no da praia o provedor e Irmãos da Misericórdia na sua tumba, até à porta da nossa Igreja, onde os nossos padres o tomaram e levaram ao lugar da sepultura. O Administrador com os clérigos e religiosos, lhe fizeram o ofício de nove lições , com toda a solenidade e música possível, e ao outro dia lhe cantaram a missa, e o mesmo Administrador lhe pregou as exéquias, referindo alguns milagres que Deus por ele obrara, e chamando-lhe apóstolo do Brasil, com outras coisas de muito louvor de Deus, e honra do defunto. Houve grandíssimo abalo de lágrimas, assim no acompanhamento da praia, como no sermão, porque de todos era muito amado e reverenciado. E muitas pessoas houve que pela opinião que tinham da santidade do padre, em lugar de o encomendarem a Deus, se encomendavam a ele, que os favorecesse com este Senhor.

Duas Profecias

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Para Deus Nosso Senhor honrar mais a seu servo ordenou que, neste enterramento, sucedessem coisas por onde se cumprissem duas profecias, que o padre muito antes que falecesse tinha dito haviam de acontecer depois de ele morto. A primeira é esta: João Soares, morador da Vila de São Paulo, amigo antigo do Padre José, acertou de se achar nesta Capitania na doença do padre; foi-o visitar, e o padre, entre outras, lhe disse estas palavras: “filho, ficai-vos embora, que já nós não nos veremos senão no outro mundo; mas vós neste me tornareis a ver, mas será de maneira que eu vos não possa falar”.

Daí a algum tempo trouxeram o corpo do padre à vila, achou-se João Soares na praia com mais gente e, querendo os irmãos da Misericórdia levantar o caixão para darem princípio à procissão, acudiu ele, pedindo ao Administrador lhe deixasse ver o morto, que tão boa doutrina lhe tinha dado em vida. Consentiu o Administrador, abriu-se o caixão, chegou-se a ele João Soares com outros homens, viram o corpo e deram fé que não tinha nenhum mau cheiro, com haver três dias que era falecido, e trazendo-o com tanto abalo caminho de quatorze léguas, com que se cumpriu o que o padre dissera a João Soares. E ele o depôs assim em seu testemunho.

A segunda foi deste modo: muitos anos antes, sendo provincial, estando no Colégio da Bahia, avisou ao Padre Gregório Serrão que havia de ir para o Rio de Janeiro. Disse o padre:

“Sabe Vossa Reverência como eu ando?”

Respondeu o Padre José:

“Sim, sei”.

“Contudo isso me manda?”

Respondeu:

"Sim".

Acrescentou o padre:

"Bota-me de si?"

Acudiu o Padre José:

"Isto não. Vade, frater, quia postea locus nos conjunget".

E assim aconteceu, que o Padre Gregório Serrão, faleceu na casa do Espírito Santo, e está enterrado na capela de São Tiago e o Padre José foi sepultado na mesma capela junto dele, cova com cova. Por tudo seja Deus glorificado em seus Santos, amém.