Da armada de sua majestade. Profecia do Irmão Francisco de Escalante
editarQuando a armada de El-Rei Dom Felipe Segundo, de quer era General Diogo Flores de Valdês quis entrar no Rio de Janeiro, esteve surta fora obra de uma légua. Alvoroçou-se a cidade e se pôs em armas, cuidando ser de inimigos, porque tinham disso aviso; e também os padres no Colégio começavam de pôr em cobro os ornamentos da Igreja; mas o Padre José, que era provincial, disse que não era isso necessário, dando a entender que a armada era de paz e não de inimigos.
E estando olhando para ela disse estas palavras: Ali nos traz Deus um carpinteiro, muito bom oficial, para ser nosso irmão, e muito bom religioso. A qual palavra entendemos se cumpriu no Irmão Francisco de Escalante, que hoje está nesta província, coisa que a todos põe em admiração, pois nenhuma conjetura humana a isto podia chegar.
Perigo de quatro naus
editarDepois que S. Majestade mandou esta armada ao estreito de Magalhães, enviou a Dom Diogo de Álcega por cabo de outras quatro naus, que traziam mantimentos e socorro. Estas passando o Cabo Frio, se meteram em uma enseada antes de chegarem à barra do Rio de Janeiro, e estiveram mui arriscadas a se perderem ali todas; foi a nova à cidade do perigo que ali correram; o Padre José se pôs logo em oração, na sua câmara.
Daí a pedaço, estando ainda o padre em oração, veio recado que já saíam as naus do perigo; nisto vai o padre Estevão da Grã dar a nova ao Padre José e abrindo a porta o viu alevantado do chão com as mãos postas, e o rosto muito abrasado, e antes que falasse nada, se veio a ele o Padre José com estas palavras: não é nada, não é nada, já a armada vem à vela, não se perdeu mais que um navio que vinha com ela, e nele se não perdeu pessoa alguma. O que tudo foi verdade.
Estorava um casamento. Profecias
editarAndava no Rio de Janeiro um homem em mau estado e pretendia casar com uma filha de um morador, fingindo ser viúvo; o Padre José fez com a Justiça que o deitasse da terra. Queixava-se o morador que o Padre José, descasava sua filha, a que o padre respondeu: esse homem é casado, e tem mulher viva, e antes que ele chegue a Angola para onde vai, há lá de chegar sua mulher. E assim foi que vindo a mulher do Reino em busca do marido ao Brasil, o navio em que vinha arribou a Angola, e chegou lá três dias primeiro que este homem, para se cumprir a palavra do servo de Deus.
O perigo do navio
editarNavegou o padre uma vez no navio da Província, do Rio de Janeiro para a Bahia, e saindo de uma ilha das que estão na barra, para dobrar o Cabo Frio, saiu o padre do camarote e disse ao piloto que navegasse para o mar, porque se não fazia assim, não havia de dobrar o Cabo Frio, e se havia de perder. Respondeu o piloto que iam bem navegados, mas tomou o conselho do padre, e com tudo isso ainda se achou junto ao Cabo Frio junto de terra, e prosseguindo a viagem perto de seis léguas, deitaram ferra na Ilha da Âncora, pelo tempo ser contrário.
Estando assim torna o padre a sair do camarote, e manda ao piloto levantar âncora com brevidade; e recusando o piloto e marinheiros pelo tempo estar quieto, o padre lhes deu pressa que o fizessem, dizendo que não haviam de Ter tempo para o fazerem bem.
E assim foi, porque sobreveio tanto vento sul, que para se acudir às velas foi necessário levar a âncora a rastro um pouco, o que com clara razão pareceu a todos os que iam na embarcação, que o não podia o padre saber, senão revelando-lho Nosso Senhor, porque não tinha notícia das coisas do mar, e os que a tinham o não entenderam.
O que tudo jurou em seu testemunho Lopo Fernandes, morador no Rio de Janeiro, que vinha no mesmo navio.
Duas limas escondidas
editarEstando o Padre José com o Padre Vicente Rodrigues, assentado na escola dos meninos, na casa de São Paulo, mandou a um menino fosse ao quintal e lhe trouxesse meia dúzia de limas doces; foi e trouxe-as.
Nisto chama o padre a outro por nome Domingos, e diz-lhe:
Ide ao quintal e trazei-me uma limas, que estão em tal buraco, que fulano aí escondeu.
Trazidas, lhe disse:
Chamai ao outro menino.
Veio, e o padre lhe deu as limas dizendo:
Tomai e não furteis.
O que vendo, o menino arrebentou em lágrimas, e as não quis comer de vergonha.
Deram muitas graças a Deus o Padre Vicente Rodrigues e os que souberam do caso, vendo que sem se bulir daquele lugar, dera o padre fé do que o menino fizera no quintal. Este caso me referiu o Padre Garcia, que então era o menino Domingos, a quem mandara o padre buscar as limas escondidas no quintal.