O primeiro destes milagres, certificou Antônio de Siqueira, escrivão do público e judicial e da Câmara na Vila de Santos, debaixo de seu juramento e público sinal, por estas palavras:

"É verdade que indo eu, os anos passados, em companhia do Padre José de Anchieta para a Vila de São Paulo, indo mais em nossa companhia três ou quatro homens, levava o padre uma cabaça de vinho de mel, que lhe dera um seu devoto, por nome Nicolau Grilo, que podia ter um quartilho de vinho da medida desta terra, que é muito maior que a de Portugal.

E pusemos no caminho três ou quatro dias; e cada dia, bebíamos do vinho ao almoço, jantar e ceia, cada um três ou quatro vezes de vinho, da dita cabaça de água; e quando tornávamos a comer e beber da cabaça, achávamos ser vinho tão bom e melhor do que o deram ao padre, e todos os que ali íamos, claramente vimos que era milagre.

E outrossim, certifico que nesta Capitania, foi público o dito padre fazer muitos milagres, e o tinham por homem santo."

Batizou o padre um índio ressuscitado

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Segue-se o segundo milagre:

Grácia Rodrigues, mulher casada, jurou diante do padre vigário da Vila de Santos que, falecendo um índio em sua casa, por nome Diogo, depois de o ter amortalhado, e a cova aberta, daí a obra de duas horas o vira bulir. E chegando-se ela ao defunto, lhe falou dizendo: "senhora, desate-me desta mortalha em que estou cozido". O que ela logo fez. E assentando-se junto dele, lhe disse Diogo: " mande, senhora, chamar ao Padre José de Anchieta". Ao que ela disse que o padre não estava na vila, mas daí a duas léguas, na casa de São Vicente. Replicou Diogo: "já é vindo, e eu vim em sua companhia até o ribeiro junto a esta Vila de Santos, e aí o deixei por me dizer que viesse adiante". Mandou logo a senhora buscar o padre, e o acharam como Diogo dissera; deram recado ao padre como o índio ressuscitado o mandava buscar; veio logo o padre, e o índio lhe disse: "padre, que é do relicário que me mostrastes, no caminho?"

E tirando o padre do seio o relicário, o índio se alegrou muito, e praticando com o padre, lhe disse, entre outras coisas, como fora ao outro mundo, e que lá lhe disseram que não ia bem encaminhado, porque não estava batizado, como na verdade se achou não no estar até aquela hora, cuidando ele que era cristão pelo nome que os brancos lhe puseram, quando foram à sua terra dele, e lhe chamavam Diogo.

Pediu o índio ao Padre José que o batizasse logo, porque estava de caminho para a outra vida; instruiu então o padre de propósito e o batizou com muitas lágrimas e consolação sua, dizendo que ainda que não viera ao Brasil, para mais que ganhar aquela alma, tivera por bem empregada sua vinda e todos os trabalhos passados.

Despediu-se da senhora e lhe pediu desse o fatinho a algum pobre, e lhe mandasse dizer duas missas, e lhe desse uma vela que lhe meteu na mão acesa. Rogou também ao padre se não fosse dali até ele não dar sua alma a Nosso Senhor, cuja era. O que tudo se fez; e ele deu sua alma a Deus nas mão do padre diante de outras pessoas que ali estavam.

Até aqui o testemunho que achei nos papéis autênticos. Caso é este raríssimo, e digníssimo de ser por ele glorificada a divina bondade, e que em si encerra outros mui grandes milagres, e singulares favores, que um gentio adulto, morrendo sem batismo, não seja logo lançado no inferno, e que lhe dêem licença para ir buscar quem o batize, e que a alma venha acompanhando o padre, e que dê fé do seu relicário e que o padre o mande de si a se meter no corpo, antes que seja enterrado.

Mas tudo são caminhos para se cumprir a divina predestinação, assim como achar o Padre José na praia ao índio centenário, da terra não sabida, e batizá-lo, ou desenterrar a criança que estava ainda palpitando, e batizá-la e morrer-lhe nas mãos.