A LUIZ DE ALVARENGA PEIXOTO.


         Vi de um lado o Calvario, e do outro lado
         O Capitolio, o templo-cidadella.
         E torvo mar entre ambos agitado,
         Como se agita o mar n'uma procella.

         Pousou no Capitolio uma aguia; vinha
              Cansada de voar.

         Cheia de sangue as longas azas tinha;
              Pousou; quiz descansar.

Era a aguia romana, a aguia de Quirino;
A mesma que, arrancando as chaves ao destino,
As portas do futuro abrio de par em par.
A mesma que, deixando o ninho aspero e rude,
Fez do templo da força o templo da virtude,
E lançou, como emblema, a espada sobre o altar.

Então, como se um deos lhe habitasse as entranhas,
A victoria empolgou, venceu raças estranhas,
Fez de varias nações um só dominio seu.
Era-lhe o grito agudo um tremendo rebate.
Se cahia, perdendo acaso um só combate,
Punha as azas no chão e remontava Anteo.

Vezes tres, respirando a morte, o sangue, o estrago,
Sahio, lutou, cahio, ergueu-se... e jaz Cartago;
É ruina; é memoria; é tumulo. Transpõe,
Impetuosa e audaz, os valles e as montanhas.
Lança a ferrea cadeia ao collo das Hespanhas.
Gallia vence; e o grilhão a toda Italia põe.

Terras d'Asia invadio, aguas bebeu do Euphrates,

Nem tu mesma fugiste á sorte dos combates,
Grecia, mãi do saber. Mas que póde o oppressor,
Quando o genio sorrio no berço de uma serva?
Pallas despe a couraça e veste de Minerva;
Faz-se mestra a captiva; abre escola ao senhor.

Agora, já cansada e respirando a custo,
Desce; vem repousar no monumento augusto.
Gottejão-lhe inda sangue as azas colossaes.
A sombra do terror assoma-lhe á pupilla.
Vem tocada das mãos de Cesar e de Sylla.
Vê quebrar-se-lhe a força aos vinculos mortaes.

         D'um lado e de outro lado, azulão-se
         Os vastos horizontes;
         Vida resurge esplendida
         Por toda a creação.
         Luz nova, luz magnifica
         Os valles enche e os montes....
         E além, sobre o Calvario,
         Que assombro! que visão!

         Fitei o olhar. Do pincaro
         Da colossal montanha
         Surge uma pomba, e placida

         Azas no espaço abrio.
         Os ares rompe, embebe-se
         No ether de luz estranha:
         Olha-a minha alma attonita
         Dos céos a que subio.

         Emblema audaz e lugubre,
         Da força e do combate,
         A aguia no Capitolio
         As azas abateu.
         Mas vôa a pomba, symbolo
         Do amor e do resgate,
         Santo e apertado vinculo
         Que a terra prende ao céo.

         Depois... Ás mãos de barbaros,
         Na terra em que nascêra,
         Após sangrentos seculos,
         A aguia expirou; e então
         Desceu a pomba candida
         Que marca a nova éra.
         Pousou no Capitolio,
         Já berço, já christão.