A Reforma da Natureza (12ª edição)/2ª parte/Capítulo 5
CAPÍTULO V
O MEDO DO MUNDO
AS EXPERIÊNCIAS DO Visconde foram em número de vinte e tantas, de modo que deviam andar soltos pela Terra uns vinte e tantos monstros incompreensíveis — diversos com forma de formiga; um com forma de grilo; outro com forma de centopeia; e outro com forma de minhoca. Essa minhoca-monstro fora vista pela primeira vez numa fazenda ali das redondezas. Um homem vinha vindo a cavalo e deu com ela na estrada. O cavalo assustou-se, jogou o homem ao chão e sumiu no galope. O pobre coitado chegou à fazenda a pé, todo amarrotado e trêmulo.
— O minhocão!... Vem vindo! ... Na estrada... — foi o mais que pôde dizer — mas bastou para que todos os moradores da fazenda corressem para o tope de um morro muito alto.
A notícia correu. Os jornais contaram o novo acontecimento na mesma coluna em que falavam das novas proezas da pulga gigante. Fora vista em Corumbá, depois em Manaus, depois em Belém do Pará.
Os jornais do mundo inteiro não tratavam de outra coisa. Os governos mexeram-se. Colocaram-se canhões anti-aéreos em vários pontos para atirar contra a Coisa Preta — mas, como, se nunca sabiam onde ela ia aparecer? Aviões de caça andavam pelo ar, procurando-a.
O primeiro ponto em que a Coisa Preta havia aparecido fora em Juiz-de-Fora, de modo que uma comissão de investigadores internacionais foi ter àquela cidade. Queriam ver se descobriam o ponto de partida do monstro. Lá tomaram todas as informações possíveis; muita gente, além daquele caçador, havia visto a Coisa Preta passar pelo ar; e com essas informações os investigadores foram aos poucos se certificando de que o ponto de partida era nos arredores do Picapau Amarelo. Isso fez que o Sítio de Dona Benta se tornasse o principal centro das investigações.
— Deve ser por aqui — dizia o Dr. Zamenhof, chefe da comissão. — Por aqui foram avistadas as primeiras formigas-monstro, a gigantesca Noventaequatropeia, descoberta pelo Sr. Pedro Encerrabodes de Oliveira, e também o grilão e o minhocão. Temos de organizar um cerco e ir fechando o círculo.
Na véspera os jornais haviam dado notícia de que a Coisa Preta aparecera nos arredores do Canal do Panamá e fora pilhada bebendo o sangue dum cavalo das forças americanas lá estacionadas. Assim que ela pulou, os canhões anti-aéreos da defesa do Canal abriram fogo e uma das balas a atingiu.
— Será que ela estalou ao morrer? — perguntou Emília a Dona Benta.
— Estalou? ...
— Sim, as pulgas morrem estaladamente...
Dona Benta riu-se.
— O jornal não diz nada, Emília; mas, com ou sem estalo, a monstruosa pulga veio por terra e foi transportada para o museu de História de Nova Iorque. Conta ainda o jornal que a afluência de curiosos está sendo tamanha, que há cauda na rua. Os sábios mostram-se intrigadíssimos; não sabem como explicar o estranho fenômeno.
— Há um sábio que com certeza sabe: o Visconde — lembrou Emília. — E para mim o caso é dos mais simples: não passa de exageros da senhora Dona Pituitária. Quando ela dá para fazer estrepolias num corpo, ninguém pode com sua vida. Uma danadinha...
Dona Benta estranhou aquelas palavras, mas nada disse. Pedrinho vinha entrando com o Dr. Zamenhof, um sábio barbudíssimo, de óculos no nariz.
— Vovó, aqui está o Dr. Zamenhof, chefe dos "procuradores" dos bichos monstruosos. Seus estudos indicam que o foco donde saem essas criaturas é aqui por perto, porque todos são primeiramente vistos aqui e só depois mais longe.
— A pulga não foi — disse Dona Benta. — Apareceu pela primeira vez em Juiz-de-Fora, que é longe daqui.
— Engano seu, minha senhora. Encontramos aqui pelas redondezas um preto velho...
— Tio Barnabé — adiantou Pedrinho.
— Perfeitamente — confirmou o sábio. — O Sr. Barnabé Semicúpio da Silva, morador numa casinha perto da ponte, declarou-nos ter visto essa pulga em seu pastinho. Mas não acreditou no testemunho dos próprios olhos, achou que talvez fosse "visão de negro velho" e não falou no caso a ninguém. E viu-a dois dias antes do aparecimento do monstro em Juiz-de-Fora. De modo que todos os monstros que andam a assustar o mundo foram primeiramente vistos aqui. Logo, as probabilidades são de que o foco seja por aqui.
Pode ser — disse Dona Benta — e eu não me admiro de nada. Tem acontecido tanta coisa neste meu abençoado Sítio...
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.