XVIII
Querida Isabella
Como se passaram quinze dias desde que me deixaste, não sei!... Sei apenas que te escrevo hoje num destes momentos de profundo quietismo que a vida nos traz após as maiores desgraças. Desgraças?!... que eu não posso bem chamar assim ao facto succedido hoje, com a mais elegante simplicidade, e que, ao receberes esta, já não será novidade para vocês porque todos os jornaes fallam n’elle, — a fuga da Candida e do Duarte.
Qual o motivo que os levou a este escandalo, não sei, posso apenas dizer-te que ainda hontem estivemos em S. Carlos, que ella me beijou affectuosamente á despedida e que o Duarte me acompanhou a casa. Depois... partiram no expresso para Paris, ao que dizem.
Sinto-me enojada de tanta baixesa de caracter e de tanta hypocrisia! Enojada, e vexada tambem, um pouco, pelo papel ridiculo que me obrigaram a desempenhar em toda essa vergonhosa intriga. Nunca o Duarte tinha descido a impôr-me as suas amantes para amigas intimas — faltava-me essa vulgar consagração mundana!... É de morrer a rir, e a chorar.
Agora comprehendo tudo, os sorrisos que acolhiam os meus elogios á Candida, as phrases com dois sentidos da baroneza, as palavras trocadas a meia voz, até a tua má vontade para ella e a raiva do João, o vosso aborrecimento súbito e que tão poucos dias os conservou aqui, tudo eu comprehendo e tudo eu vejo agora!...
Tu sabes melhor do que ninguem o que tem sido a minha vida; conheces-me, pois tens a minha alma, palpitante de soffrimento, agasalhada no teu coração de verdadeira e unica amiga. É portanto escusado vir com rodeios. Demais isto é um facto consumado, uma coisa indiscutivel: — meu marido fugiu para França com umadas minhas amigas intimas. Eis a singela e fatal verdade.
E eu não encontro, Isabella, no fundo da minha alma, nada, absolutamente nada, que me faca soffrer d’este abandono. Orgulho, parece que já o não tenho! Offensa da mulher, que veio a minha casa, que me beijou, que era a primeira a dizer mal d’elle — quando eu nada me importava de procurar saber a sua vida intima — confesso-te, querida, que não chego a recebê-la. Despreso-a e lamento-a; desculpa-la-hia talvez, se fosse sincera no seu affecto; mas não é, não! Uma coquette vulgar que vae seguindo o seu capricho ou — o que é peor — a sua ambição. Não me offendeu, porque eu vivo como estranha n’esta sociedade convencional. Conheço demasiadamente este mundo para que me prenda nas suas redes de hypocrisias. Vim do conchêgo dulcissimo da minha familia patriarchal para este meio desmanchado e futil, que só me deu amarguras em paga do que lhe trouxe — o meu coração virginal, a minha alma ingenuamente enthusiasta, a minha mocidade ingenua.
Ninguem sentira como eu a vida assim vasia, assim desconsolada, assim inutil! Viver não é nenhum bem para mim, a morte tambem nada me diz... Que posso encontrar na cóva? — A eterna paz do não ser, o somno do esquecimento dos outros e de mim mesma... — Isso encontrei na vida. Nada me interessa, senão apparentemente, e a ninguem interesso senão a ti, oh minha dôce amiga, e á pobre velhinha que é minha mãe! Olha, o que eu não tenho podido soffrer com este escandalo, em que o meu nome será murmurado entre sorrisos escarninhos e lamentos falsos, como falso é tudo isto, tem ella soffrido, a desgraçadinha! Adoeceu de mágua e de surprehendida, porque não sabia as relações em que eu estava com o Duarte. Tu só, querida Bella, foste a minha confidente das horas amarguradas de lucta e revolta, tu só presenciaste e ungiste com o balsamo consolador da amizade as feridas sangrentas do meu coração; por isso, minha filha, só a ti sei confiar a minha alma em farrapos. Se eu podia ter dito á minha pobre mãe o inferno de soffrimentos em que vivi?!... Para ella soffrer mais ainda: — que o coração das mães soffre duplamente as amarguras dos filhos!
Foi isto unicamente o que hoje me affligiu. Se elle me tivesse dito que me queria deixar para ir com a minha amiga eu, crê, ter-lhe-hia dito:
— «Vae! Que me importa isso? Com essa ou com outra é-me indifferente, mas despede-te de minha mãe, da pobre senhora tão velhinha e doente que morrerá d’um primeiro desgosto. Tem dó d’ella — ao menos tem esse sentimento bom — ajuda-me na mentira santa em que a tenho deixado viver socegada.»
Oh! se elle tivesse feito isto, de joelhos lhe beijaria as mãos, agradecida o cobriria de bençãos. Mas não, nenhuma delicadeza, nenhuma bondade, n’aquella alma egoista.
Avalia o que eu soffri com a scena que hoje se passou!
Á hora do almoço o Duarte não appareceu, mas isso era tão vulgar que eu nem perguntei por elle ao criado respondendo á minha mãe: «Teve que fazer e sahiu mais cedo naturalmente»... Mas o Bernardo adiantando-se: — «Se V. Ex.ᵃ me dá licença direi que o Sr. Visconde mandou o José arranjar as malas e encarregou-me de dizer a V.ᵃˢ Ex.ᵃˢ que partia para o estrangeiro.»
Imaginas bem como eu fiquei pelo sobresalto em que vi a minha mãe! Ante o meu olhar de censura o pobre Bernardo, coitado, daria tudo por não ter dito tal coisa, mas era muito tarde! Tentei ainda convencê-la de que sabia d’aquella viagem, que tinha sido combinada commigo, mas quê?! Os jornaes deram logo a noticia tão transparentemente velada que tudo foi inutil. Coitadinha! Se a ouvisses dizer-me:
— «Eras então infeliz e nada dizias, filhinha?!...
Foi uma censura e um agradecimento, que ella bem percebeu a minha delicada intenção. Não poude mais! — As lagrimas que ha tantos annos lhe escondia vieram todas juntas cahir-lhe no coração de mãe amantissima.
O que foram esses momentos não tentarei descrever-te. Sente-os tu com o teu coração de mulher — que o sentimento tão amoravelmente maternisa. Depois d’isto, compôz a phisionomia para apparecer com dignidade ás amigas presurosas que vieram, sob variados e engenhosos pretextos, buscar assumpto para entreter a sociedade... Estive quasi tentada a dizer que não recebia, que me deixassem para sempre; mas a mamã aconselhou, pediu-me quasi, para que respeitasse as conveniencias. Oh, as conveniencias!... Como as despreso e me importam pouco, e como tenho sido escrava d’ellas!
Logo á noite consegui fazer recolher á cama a minha adorada mãesinha, que o seu organismo abalado por tantos desgostos e doenças já não podia mais.
Achei-lhe febre e mandei chamar o medico. Sahiu agora mesmo depois de lhe dar um calmante, que a adormeceu no mais infantil dos somnos. Que delicia dormir assim! Como o seu pobre rosto serenado sorri santamente! E hei-de vê-la acordar amanhã, para soffrer?... Oh Isabella, Isabella, que não sei o que deseje!...
A minha pobre cabeça perde-se de todo n’este inferno de dúvidas e sobresaltos. E como não posso dormir, venho repartir comtigo as minhas lagrimas, que a tua amizade tomaria como indigno egoismo, se as guardasse todas para mim, não é verdade? No silencio da casa adormecida sinto-me mais só, mais abandonada que nunca, e por isso encontro ainda algum consolo em conversar com o unico espirito meu irmão. Recordo com infinita ternura as horas de paz que a tua amizade me tem dado. Lembras-te da primeira vez que nos encontrámos? Parece que te estou a vêr: muito fina, d’uma elegancia um pouco infantil, um sorriso de bondade divina na tua bocca graciosa. Convalescias d’uma perigosa doença e eu arrastava os desesperos da minha felicidade manquée. Só uma doente de corpo e uma doente d’alma iriam procurar a solidão religiosa da natureza, por aquelle principio de primavera, no Bussaco, quasi inverno ainda! Talhadas uma para a outra, as nossas almas reconheceram-se logo. Os mesmos passeios, as mesmas predilecções pelos largos horizontes, os mesmos embevecimentos pantheistas deante da natureza. Já nos tinhamos encontrado tanta vez na Cruz-alta, procurando o mar no poente longinquo e querendo vê-lo na rosea claridade do céo... no Calvario, na Memoria, recordando tempos passados, admirando a gravidade pachorrenta da sentinella, divagando pelas ruas cheias de sombra por todo esse cantinho paradisiaco, mais bello ainda na solidão de thebaida em que o encontravamos. A nossa conversa primeira tida alli na Fonte-fria, ao compasso da agua murmurante, sob a cópa das arvores seculares, foi intima e confiada como se nos conhecessemos desde o berço. Sob a reserva das minhas maneiras, que fundo de ingenuidade encontraste! Na infantilidade dos teus risos, que bom senso e conhecimento da vida tu já tinhas! Bem se podia prever a equilibrada e corajosa mulhersinha que soube fazer da sua casa um verdadeiro refugio d’almas, que da fortuna que tão felizmente lhe cahiu nas mãos fez uma salutar obra de progresso, de combate pela justiça.
Querida, querida Isabella, recordar as lagrimas que me viste chorar durante aquella consoladora convivencia de mezes, é quasi um prazer. Então ainda eu soffria, então ainda vivia. Hoje... é isto que vês.
Lembro-me agora, com uma nitidez desesperante, das tuas palavras sensatas quando se fallava em divorcio: — Para quê?... Em Portugal não ha divorcio; apenas temos o desquite, que é a prisão maior para as mulheres. Não vale a pena ir contra a opinião geral que condemna a mulher separada do marido, para tão pequeno resultado.
Como a opinião dos indifferentes me importava pouco, lembravas me então a minha familia, a minha mãe. A minha mãe!... Por ella consenti em ficar amarrada de pés e mãos a esta situação quasi infame para mim. E queres saber? N’esse tempo ainda ella poderia supportar o golpe, agora... não sei o que se dará. Tremo pela sua vida tão abalada!
Não me queixo de ti, minha joia, podias porventura imaginar que seria elle o primeiro a despedaçar escandalosamente as cadeias, que só foram pesadas para mim?
Que estupido destino o meu! Aos desesete annos, cheia de enthusiasmos e de infantis curiosidades, deixo-me convencer que era amôr o que sentia por meu primo. Amôr egual ao que elle me confessava em phrases, que eu então imaginava só ditas para mim, santas como o seu affecto.
Um bello casamento o nosso — fortunas eguaes, familias eguaes, paixão, alegrias, festas, nada faltou!
Mas que profunda differença entre esse rapaz vaidoso, futil, sempre morto por se divertir, com um fundo de egoismo e de hypocrisia atroz; e a rapariga cheia de sonhos, amante e infantilmente crédula que eu então era! E tudo lhe perdoava, tudo n’elle me parecia toleravel, porque o amava e o julguei sincero. Enganou-me como se pode enganar uma criança de seis annos, até que o acaso se encarregou de me abrir os olhos á verdade brutalissima da vida. Em tantos annos de casada não houve um só dia em que eu desconfiasse da lealdade do seu caracter, e não houve um só dia em que elle me não enganasse vergonhosamente. Depois de saber isto estava mulher, uma passiva ter-se-hia resignado, algumas fariam o mesmo que elle, outras ainda encontrariam nas vaidades mundanas a phylosophia cinica a que usam chamar savoir vivre. Eu, era uma selvagem, não me resignei, e fugi como um animal ferido para a solidão magnifica da natureza, resolvida a tudo acabar pela separação. Encontrei a tua amizade santa e ella me obrigou a comprehender a vida e a resignar-me na apparencia. Os teus poucos annos de rapariga educada no mundo e para viver no mundo souberam aconselhar a mulher que apenas tinha vivido pela alma. Disseste-me que fingisse — fingi! Que ninguem devia vêr as minhas lagrimas — e ninguem as viu senão tu. Mas que friesa tumular foi a nossa vida desde então! O capricho que lhe inspirei esvaira-se, como fumo, n’aquella alma inconstante. O sincero affecto que eu lhe dedicara tinha morrido sem que eu soubesse como. O que então mais soffria em mim era o que já não tenho hoje — o orgulho, a vaidade de mulher nova e bonita.
Que vida a minha! Se eu tivesse um filho — a suprema aspiração da minha alma — então teria ainda esperança de ser feliz, assim!... Mas se o tivesse, que dôr eu sentiria vendo-o despresar seu pae, porque o despresaria decerto, e nada se pareceria com elle. Desgraçado, não lhe tenho nenhum odio. Odio só tenho á sociedade que me liga eternamente a um homem que me despreza e a quem egualmente despreso. Só isso me faz ainda vibrar os nervos n’uma revolta! Has-de perguntar para que queria eu a liberdade dada pela lei, visto que já nada espero do mundo?...
Não sei. Era livre, ao menos, não tinha o meu nome ligado ao d’elle — já era alguma coisa!
Olha, Isabella, quando criança sonhei uma vez que ia por uma estrada cheia de sol e poeira. Caminhava, caminhava n’um desconsolo de cansaço e solidão. Muita gente passava por mim e corria para a frente empurrando-me e deixando-me cada vez mais desconsolada. Os campos em volta eram d’uma aridez desolante — nem um pedaço de paisagem verde, nem uma sombra onde podesse descançar os olhos mortificados. No fim de tanto andar, que os pés em sangue já se recusavam a continuar a marcha, encontrei a sombra rachitica d’uma arvore, cahi extenuada e alli fiquei sem pensar em mais nada. Das pessôas que tinha visto, muitas voltavam abatidas e tristes, outras corriam ainda para a frente, lindas de esperança e alegria.
Vendo-me tão abandonada, os conhecidos chamavam-me, os outros olhavam-me lamentosos, e eu, indifferente a uns e a outros, não me levantava, cançada para sempre d’esse caminho árido. Levantar-me, para quê?
A traz sabia eu que nada havia bom, para a frente não tinha coragem de procurar saber.
A minha vida é isto, Bella: fecho os olhos e deixo-me adormecer na desgraça — que me falta a coragem para procurar existencia melhor.
Não sei se comprehenderás esta carta, que não tenho coragem de reler. Vae n’ella toda a minha alma ansiante acolher-se ao teu coração honesto. Dize-me que vivo, que eu já não sei o que isso é!
Adeus. Lembra-te sempre da
tua:
Maria Helena.
P. S. — Esta carta escripta hontem vae tal qual a senti e a penna a traçou; não a rasgarei para te dar mais uma prova de quanto confio no teu affecto. A mamã está mais socegada e com a sua saude volta-me a coragem e o sangue frio para ver claramente a situação que meu marido me deixou.
Vou aproveitar definitivamente a liberdade que me dá. É quasi um allivio, depois de tantos annos de servidão. O dr. Ramalho acaba de sahir d’aqui e affiançou-me que em tres dias a mamã poderá acompanhar-me. Sahiremos então desta casa que é d’elles e que devo deixar sem a mais leve saudade... Sem saudades?... Não sei que têm estas coisas inanimadas que nos rodeiam para assim nos custar a separação, mesmo quando apenas foram testemunhas de maguas... Do que é seu fará o que entender; o que nós temos chega para a nossa sustentação mais do que modesta. Sinto-me tão serena que já me parece que sou feliz. O que me aconselhas que faça? Espero a tua resposta para sahir d’aqui.
Abraça o João e recebe muitos beijos da
tua do coração:
Maria
</poem>
A entrada sobresaltada de João, com os jornaes onde lêra o escandalo da alta roda bem claramente expresso por iniciaes e certas indicações, arrancou Isabella ao absorto meditar em que a carta a fizera cahir.
Não que a surprehendesse ou interessasse a fuga do Visconde e da Candida, realisadas com a mais moderna e despoetisada simplicidade, á sahida de um espectaculo, onde a mulher cumprimentára affectuosamente a amante, entrando para um commodo expresso que os affastava de um meio mesquinho que mal correspondia aos seus gostos e desejos de goso, para os levar a uma civilisação requintada, vivendo luxuosamente no vicio de que fez um sacerdocio, esbanjando dinheiro, actividades e energias vitaes no desesperado empenho de usufruir a existencia intensamente, como quem não pode dispôr do incerto dia de amanhã. Era um destes casos do dia que apenas despertam o interesse pela evidencia os nomes que desempenham os principaes papeis e que fazem convergir para uma determinada e minima parte da sociedade a attenção de todos, despertando risos, odios, despreso ou pena, conforme o temperamento e a orientação de cada um. O que lhe feria o espirito, o que a entristecia, era essa carta que lhe ficára aberta nas mãos trémulas, sangrenta de sinceridade, eloquente na sua acusação, como um grito de victima esmagada sob as rodas triumphaes do carro doirado donde os preconceitos sociaes dictam as suas leis.
Arrependia-se de ter aconselhado a amiga á inerte resignação, que é uma transigencia; arrependia-se de a não ter mesmo incitado a despresar toda a hypocrita consideração mundana e tornar-se sinceramente o que os seus nervos e o seu lucido criterio lhe diziam que fosse — uma revoltada.
Os annos que Maria Helena levára na paciente resignação de uma voluntaria sacrificada, pesavam-lhe como um crime proprio; porque Isabella, como todos os conscientes, caminhava das trevas para a luz com segurança, despresando hoje o que hontem ainda a amedrontava, vendo a pequenez das coisas que a maioria respeita, demolindo no seu proprio espirito os idolos sociaes e criando novos ideaes de justiça, de bondade e de obrigações para com os outros e para com a propria existencia que não temos direito de sacrificar á dôr, por conveniencias de egoismo alheio.
— «O que se ha de fazer? — perguntou João, depois de ler a carta, acostumado a encontrar na mulher o primeiro conselho que orienta e vence o sobresalto, dispondo-nos á lucta.
— «Acho que devemos mandar um telegramma a prevenir a Maria Helena de que partimos no primeiro comboio, para a trazermos para a sua casa. É onde ficará melhor.
— «Mando já o telegramma, mas a prevenir só da minha ida; tu não vaes, queridinha, tenho medo por ti e pela chegada do nosso pequenino hospede.
— «Estou em cuidado na Maria Helena, que nunca se viu só a tratar dos seus negocios.
— «Descança em mim, verás que mereço a tua confiança, minha vaidosa.
Ella sorriu ao sorriso d’elle, erguendo a cabeça, que apenas lhe chegava ao hombro, para receber na bocca o beijo que lhe offerecia amorosamente.
O sol entrava pela porta de vidros que descia para o jardim, onde as rosas se abriam á primeira caricia da primavera, e nimbava-os de luz n’uma transfiguração milagrosa de vida.
Fôra alli, n’aquelle mesmo quarto, pela transparencia d’aquella mesma janella, na impassivel cumplicidade das coisas, que a Pillar assistira, por uma lucida noite de lua, ao desmoronar de todas as suas illusões. Fôra d’alli que vira, com seus proprios olhos, a traição d’essa mesma Candida que continuava, atraiçoando sempre, o seu caminho de viciosa e ambiciosa perfidia.
Mal poderiam imaginar, olhando o bello sol primaveril que se escoava pela folhagem das arvores cahindo em chuva d’oiro, buliçoso e alegre, nas ruas areadas e na relva dos canteiros, que fôra exactamente n’esse quarto, encostando-se a essa mesma janella, que o Vilhegas se consumira na dúvida, por uma tragica e revolta noite de inverno que vergastava as arvores desguarnecidas, sobre a causa da doença e do horror que por elle e pela cumplice manifestára a noiva moribunda...