Fernanda e a comadre Poncia tinhão levado quasi carregada para a pobre casa arruinada a menina Emiliana e lá a havião feito deitar na humilde cama do estrado da velha.
Emquanto Emiliana descansava, pois que em breve dormio somno embora agitado por contracções nervosas, a velha, e Fernanda conversarão em voz baixa:
— Mas...este incendio...como foi? perguntou Poncia.
— Tomára eu que m'o digão, comadre Poncia; respondeu Fernanda: as nove horas da noite apaguei eu a candea, e não havia no fogão nem uma braza: o fogo foi maleficio...
— De quem ?
— Eu sei lá!
— Depois que poserão para fóra da terra os santos padres jesuitas, tem-se visto destas e de outras...
— E o meu Marcos! exclamou Fernanda.
— E' homem são e prudente que sabe o que faz: não se ponha em aflicções por elle.
Fernanda chorava.
— A's vezes o não sei que diga tenta os tementes á Deus com estes e outros infortunios para excitar o peccado do desespero: eu sei casos! quer que lhe conte um que presenciei e vi com estes olhos que a terra hade comer?...
— Conte, comadre Poncia; disse Fernanda, que aliás não attendia.
A velha Poncia contou de enfiada meia duzia de historias de ridiculas proezas do diabo.
Fernanda continuava á inquietar-se pela sorte de Marcos Fulgencio, quando principiarão á chegar os objectos por elle salvos do incendio e as noticias repetidas do que o carpinteiro eslava ouzando fazer com risco da propria vida.
Os temores e ancias de Fernanda aggravarão-se; ella porém que á miudo deixava o quarto, onde Emiliana dormia, para fallar ás pessoas que chegavão, e que lhe davão novas do marido, não se atrevia a deixar só a filha na casa de Poncia, em quem Marcos não confiava.
Mas por ultimo um soldado que viera, correndo, annunciou o desmaio e o estado melindroso do carpinteiro.
Fernanda esqueceo a filha, e sahio precipitada em soccorro do marido, que lfôra conduzido para a Santa Casa da Mizericordia, onde ella foi encontra-lo devorado de febre e em furente delirio, A esposa amante e fiel ficou junto do esposo ameaçado de morte proxima.
Entretanto, na casa da velha Poncia, Emiliana despertára em sobresalto aos lamentos de sua mãi, que correndo, partira, e a traiçoeira hospeda, não hesitara em dar-lhe a noticia do que acontecera á Marcos Fulgencio.
Emiliana soltou um gemido profundo e outra vez desmaiou.
Alexandre Cardoso entrou então no quarto, e a velha infame sahio, cerrando a porta.
A's três horas da madrugada o ajudante official da sala do Vice-Rei esgueirou-se furtivo da casa arruinada da tia Poncia, onde aliás muito se demorára.
E depois que elle passou, dous embuçados sahirão d'entre os arbustos que proximos havia, e caminharão pela praia de Santa Luzia, e rua da Mizericordia até o palacio, diante do qual pararão junto de uma porta lateral.
Uma sentinella vigilante correo, e tomou-lhes o passo, intimando-os á dizer quem erão.
Um dos vultos embuçados, atirou para traz a capa que o outro apanhou, e mostrando o rosto á sentinella, perguntou-lhe:
— Conheces-me ?
O soldado recuou tremendo espantado, e disse á gaguejar:
— O senhor Vice-Rei!...
— Que te mandará enforcar, se disseres á alguem o que acabas de descobrir.
A sentinella ficou muda e estatica.
O Vice-Rei e Germiano entrarão no palacio.