Cândida ansiosa e levemente trêmula estava pois sentada, tendo o corpo meio inclinado para a mesa, sobre cuja borda encostava seus lindos antebraços, e prendendo com o polegar e o indicador de cada uma das mãos o figurino disfarçador.
A um dos lados estreitos da mesa, como a olhar de perfil para sua senhora, e dando frente para a porta do quarto, se colocara Lucinda um pouco voltada para Cândida, e com o tronco em mole inclinação descansando em um dos quadris, tinha os olhos no assoalho, o dedo indicador da mão direita a roçar com a unha a face superior do encosto de uma cadeira, e um quase imperceptível sorriso maligno a esconder-se nas comissuras dos lábios.
Ao quadro faltava uma figura, a de um pai – homem livre deste país onde há escravos – a de um pai amoroso e justamente zeloso da pureza de sua filha, condenado à imobilidade para não se lançar em fúria contra a mucama, e à mudez para não bradar por socorro em favor da menina, oculto aos olhos de ambas e em contorções de dor e desespero, assistindo à lição da impudicícia, e ouvindo cada palavra da escrava cair como gota de veneno no coração alvoroçado da filha.
Cândida vendo que Lucinda guardava silêncio, murmurou com voz trêmula e sem arredar os olhos do figurino.
– Anda... fala...
– Ah! Minha senhora tem idéias...
– Quero saber, Lucinda...
– O quê, minha senhora?
– Como é que se fica moça feita!
– É pouco a pouco... devagar...
– Mas... que é que se passa?
– Primeiro... – ia dizendo a mucama.
Mas interrompeu-se e profanou o peito da menina com suas vistas perscrutadoras: depois disse:
– Já começa... não tarda...
– Não tarda o quê?
A escrava deu princípio à lição, anunciando os já nascentes e próximos a desenvolver-se dúplices pomos que tanto embelezam a donzela, e tão sagradas funções desempenham na maternidade.
A mucama não parou aí: passando além das exterioridades do peito, ousada foi com a palavra rude penetrar no mais íntimo do seio e revelar mistérios que ela só compreendia pelos sofrimentos e pelo incômodo material.
Inoportunas, precoces as explicações desses fenômenos, dessas funções naturais, poderiam ser ouvidas e recebidas sem graves inconvenientes pela menina de doze anos, se fosse a delicadeza maternal, ou a ciência civilizada, decente, respeitadora da majestade da inocência, que lhas desse: em tal caso o amor e o escrúpulo, o suave culto da virgindade adelgaçariam o véu sem rasgá-lo de todo, e ensinariam o conhecimento da grandeza da obra do criador sem baixar às misérias da criatura; isso porém só se pode fazer com as inspirações sutis do amor de mãe, ou com os melindres da ciência pudica.
Lucinda, a mucama, deu a lição que podia dar, e o seu discurso, a sua exposição dos segredos da moça feita , a sua decifração do grande mistério da puberdade ressentiram-se da esquálida ciência de escrava, cujo sensualismo rebaixa a humanidade até nivelá-la com a brutalidade irracional.
Cândida ouvira a sua escrava, sentindo o coração em sobressaltos e as faces ardendo em fogo: nas últimas explicações insinuara-se obscuramente ainda um mistério, uma incógnita, um arcano que se lhe ocultava...
A menina submergia-se em confusões de pejo, em vexames cruéis; mas sua curiosidade a tiranizava cada vez mais, e exigia, e a arrastava, e a obrigava com violência irresistível a pedir mais e todas as revelações...
Foi por isso que a tremer, e com o rosto todo rosa de fogo, balbuciou, perguntando:
– E depois?
– Está moça feita e pode casar – respondeu a mucama.
Cândida abafou a voz, como se tivesse medo, quase convulsa, e cobrindo o rosto com o figurino, tornou:
– E o casamento? .. Que é o casamento? .. Que há no casamento?
– Oh! Isso é muito feio – disse Lucinda –, e eu não sou capaz de ensinar, nunca me atreverei a ensinar, a explicar coisas feias à minha senhora.
A menina perdida no último dédalo, vergonhosa e audaz, quase sucumbindo ao pejo e ainda loucamente curiosa, pronunciou estas palavras:
– Porém tu... que sabes tanto, Lucinda?...
– Eu sou negra, e escrava; nisto sou livre... não corro perigo – respondeu a mucama de treze anos de idade.
Cândida deixou cair a cabeça sobre a mesa e pareceu abismada em triste meditação.
Ela não meditava; sentia vexame invencível de encontrar os olhos de Lucinda.
Como que um remorso pesava-lhe sobre o coração.
Cândida acabava de deixar de ser anjo: não era mais inocente; já corava.
– São dez horas da noite, sem dúvida; minha senhora não quer despir-se para se deitar? – perguntou a mucama.
– Traze-me um copo d’água – disse a menina.
Quando Lucinda voltou ao quarto, trazendo o copo d’água, já Cândida se tinha despido só, e estava no leito, cujas cortinas havia cerrado.
– Aqui está a água – disse a mucama.
– Passou-me a sede; apaga a luz – murmurou baixinho a menina com os olhos fechados.
Lucinda rindo maliciosamente depôs o copo d’água sobre a mesa e apagou a luz.
Cândida respirou mais livremente nas trevas.