LVII. NO MAR
Nessa viagem, da Bahia a Vitória, Alfredo divertiu-se extraordinariamente. Logo cedo, saía do beliche, e vinha, com os pés nus, assistir à baldeação do navio. Depois conversava com os marinheiros, pedia a explicação de tudo, ia à proa, entretinha-se em contemplar as reses e as aves que tinham de ser sacrificadas à fome dos passageiros, vinha contemplar à ré o sulco de espuma que o paquete deixava na água, travava palestra com vários viajantes que gostavam da sua vivacidade, — e prestava serviços a algumas senhoras, que enjoavam, estendidas em cadeiras de lona e vime, indo buscar-lhes laranjas e limões.
Carlos, na tolda, olhando a extensão iluminada do mar, não podia deixar de sofrer, ao encarar o oceano agitado por onde o navio avançava; tudo agora lhe era desconhecido, como era desconhecida a vida que ia viver... E volveu o pensamento ao passado, e, em turbilhão acudiram-lhe à lembrança todas as cenas da vida que desaparecera coma pessoa do pai; os olhos arrasavam-se-lhe de lágrimas, torturava-o a saudade... “Nunca mais!... Nunca mais o veria! Nunca mais ouviria aquela voz, nem veria aqueles olhos de penetrante bondade!... “Carlos soluçava oprimido. “Nunca mais!... E se, por um milagre, ele aparecesse?!... E, se não tivesse morrido?...” Com este pensamento, a fronte se lhe iluminou: “quem sabe? O negociante da Bahia não conhecera seu pai... e não tinha a certeza absoluta da morte dele... A notícia dessa morte só chegara a Inácio Mendes por intermédio dele mesmo, Carlos...”
E lembrava-se Carlos de como recebera a notícia, — perto de Juazeiro, a bordo da lancha... O homem da canoa dissera apenas: “Morreu o engenheiro que estava em Petrolina”, — e não dissera o seu nome... Em Juazeiro, também ninguém lhe dissera o nome do engenheiro falecido...
O menino levantou-se agitadamente, e começou a passear pelo convés, apertando as mãos uma contra a outra... “Sim! E se o pai não estivesse morto?!” E, dizendo isso de si para si, uma sensação estranha lhe agitava o peito...
Mas essa exaltação durou pouco. Alguns momentos de reflexão mais calma bastaram para mostrar a Carlos quanto era ilusória a esperança.
Que absurdo! Pois eles não tinham seguido a pista do pai, de passo em passo, por assim dizer, — no escritório da “Estrada de Ferro de Águas Belas”, em Garanhuns, em Piranhas, em Boa Vista, em Juazeiro?... O engano era impossível!
E, tomado de um grande abatimento, deixou-se o órfão cair de novo sobre a cadeira.
Dessa situação, veio Alfredo tirá-lo, correndo e gritando:
— Carlos! Carlos! Já se vê a Costa do Espírito Santo!
Já se via, de fato, mal delineada no nevoeiro longínquo, uma vaga e baixa fita de terra.
— Antes da tarde, estaremos em Vitória! — disse um passageiro, moço ainda, que chegava à tolda com um grande binóculo.
— E poderemos descer? — perguntou Alfredo.
— Certamente! Mas não vale a pena.
— Como não vale a pena?! — exclamou o menino — sempre vale a pena ver uma cidade que nunca se viu!
— Não há dúvida! Mas...
— Então, a Vitória — interveio Carlos — é uma cidade tão insignificante, que não mereça uma curta visita?
— Não é isso o que digo! — explicou o moço. Vitória é, ao contrário, uma linda cidade... Digo que não vale a pena porque o comandante não quer ficar mais de quatro horas no porto, e tenciona partir ainda hoje. Só temos um companheiro de viagem que se destina à Vitória; e, como o navio não tem de receber carvão nem carga, o comandante prefere apressar a partida para o Rio.
Efetivamente, antes de anoitecer, depois de pouco tempo de parada, o paquete deixou o porto, tendo apenas recebido quatro passageiros: um deputado, que ia tomar parte nos trabalhos da Câmara, e embarcava acompanhado da mulher e de dois filhos.
Alfredo jantou à pressa para ver a saída do porto. Todas aquelas manobras, — o levantar das escadas, o ranger das correntes de ferro suspendendo a âncora, os primeiros movimentos do navio, rodando sobre si mesmo até colocar a proa na direção do mar largo, — tudo aquilo o interessava...