LXXIV. UM VELHO AMIGO

E Juvêncio?

É tempo de saber o que foi feito desse bravo sertanejo, que tão amigo se mostrou dos dois pequenos viajantes, durante a sua triste peregrinação pelos sertões do norte.

Dois dias depois da separação, Juvêncio embarcava, à proa de um paquete nacional, em viagem para Manaus. Era quase noite, quando o vapor se fez ao largo; e a melancolia da hora, a tétrica solidão do mar, a tristeza e o abandono em que se via o pobre rapaz, quase o desesperaram. Caiu sobre um rolo de cabos, na proa do navio, a soluçar. Um marinheiro ainda moço teve pena dele, quis saber o que tinha; tentou fazê-lo levantar-se. Juvêncio não pôde, estava tonto. Veio-lhe o terrível enjôo.

No outro dia, o ar fresco da manhã, a vista da terra — o vapor seguiu a costa à vista — reanimaram-no um pouco. Reagiu, ergueu-se: estava bom.

Agora tudo era novidade para ele: a faina de bordo, o horizonte sem fim do mar, o revolver incessante das vagas, a vista da costa, — uma linha de dunas alvas, salpicadas de arbustos, e por trás uma fila intérmina de espiques e palmas verdes.

— Que é aquilo? — perguntou Juvêncio ao marinheiro que se mostrara amigo.

— São coqueiros. Toda esta costa, daqui até Pernambuco, e mesmo para além, é coberta de coqueirais. É a fortuna desta gente. Um coqueiro vive mais de cem anos, e, depois de formado, com cinco anos, só exige o trabalho de colher os frutos.

— Qual é o primeiro porto em que entra o vapor?

— Maceió, capital de Alagoas. Passaremos pela costa de Sergipe; daqui a quatro horas, estaremos defronte de Aracaju, mas não entraremos. Amanhã cedo, entraremos em Maceió, sairemos amanhã mesmo, à tarde. Depois de amanhã, estaremos no Recife.

— Já vi a navegação no São Francisco, e em Juazeiro; mas é tão diferente desta!

— Ah! Sim! Também já viajei muito em rio, no Cotinguiba, porque sou Maroim, em Sergipe. Conheço também o São Francisco, em baixo. Já morei em Penedo. Hoje mesmo, ao escurecer, passaremos defronte da barra do São Francisco...

No outro dia, uma onda de passageiros invadiu a proa do paquete. Eram outros trabalhadores contratados para Manaus. Era gente do centro do sertão, caboclos vigorosos; Juvêncio reconheceu-lhes os gestos, o falar, e ficou satisfeito com a companhia.

Não podia ir à terra, por muito que o desejasse: queria evitar despesas.

Maceió, vista de longe, pareceu-lhe uma cidade encantadora: o porto agitado, a gente alegre, a paisagem pitoresca.

Partido o vapor, formou-se uma roda de pessoas, não muitas, porque a maior parte enjoou. Uma delas tomou a direção da conversa. Era quem chefiava o grupo — um cearense decidido, que viera por toda a costa a engajar trabalhadores: organizava as turmas, e mandava-as; aquela era a última, e ele seguia com ela.

Discorria como um professor.

— Então, você é de Pernambuco? — perguntou Juvêncio. — Boa terra, conheço-a; mas também é muito boa esta, Alagoas! Para onde vai?

— Para Manaus.

— Para os seringais?

— Não, vou trabalhar na cidade.

— Venha trabalhar então comigo!

— Já vou recomendado a um senhor de la.

— Pode ser muito feliz, mas é preciso ter cuidado.

E o falador — chamava-se Gervásio Sena, — desenvolveu as suas teorias sobre o bom modo de viver na Amazônia, ganhando dinheiro e conservando a saúde: “o que é preciso é viver com sobriedade e ter muita atividade”.

Era noite. Juvêncio adormeceu, embalado no sonho das riquezas que o homem lhe apontara à imaginação.

No outro dia, logo cedo, — Recife. O vapor deteve a marcha, num mar revolto, bem em face da cidade, de que o separava a muralha baixa e negra, contra a qual se quebravam as ondas furiosas; depois, aproou para uma abertura dessa mesma muralha, e penetrou no porto, — uma espécie de doca natural, onde os navio se apinhavam uns contra os outros.

Enquanto o vapor manobrava, entrando o porto, um oficial de bordo explicou a Juvêncio:

— Nem todos os navios podem manobrar aqui, como este. Os de grande calado ficam lá fora, no mar largo. Mas já se está construindo um novo cais imenso, como o do Rio de Janeiro, e o de Santos, podendo receber todos os paquetes. E também haverá novos cais, magníficos portos na Bahia, no Ceará, no Maranhão, e no Rio Grande do Sul.

A demora foi de dois dias, e Juvêncio teve o prazer de passear longamente pelas ruas da capital de sua terra. Achou-a belíssima; admirou muito o Beberibe e o Capiberibe, que a cortam, e as pontes que ligam os diversos bairros separados por esses rios.

Na tarde da partida, quando o navio transpunha de novo a muralha negra, perguntou Juvêncio ao marinheiro:

— Mas isto é realmente um muro?

— Não! É um recife, isto é: uma muralha natural, de pedra coral; e vem assim, mais ou menos paralela à costa, desde a barra do São Francisco, prolongando-se até a do Paraíba, no Piauí. Nas bocas dos rios, forma o recife estas aberturas naturais.

A viagem até a Paraíba não teve incidentes. Tristezas e saudades, em quase todos os que deixavam a terra natal... Muitos enjoados... Poucas horas de viagem.

LXXV. PROSSEGUE