XXIV. O ALGODÃO

Correu, então, uma semana, que foi de certa serenidade de espírito para os dois meninos. O trabalho, a preocupação, a fadiga, a novidade da vida foram derivativos para a mágoa que os oprimia.

Os dias eram de labuta extenuante; à noite, antes do sono profundo em que os mergulhava o cansaço, havia ainda a distração do sertão tranqüilo que sucedia à refeição. Alguns dos tropeiros e dos trabalhadores da roça traziam os violões ao vasto terreiro que defrontava a casa da fazenda: cantavam as “modinhas” do sertão, cheias de saudade e melancolia; às vezes, justavam em “desafios”, e improvisavam quadrinhas de ingênua graça, provocando o riso dos presentes. Juvêncio, com a sua vivacidade habitual, também fazia parte do divertimento, e contava histórias rimadas, em que havia diálogos de homens e animais, — brigas heróicas entre sertanejos boiadeiros, e disputas fabulosas entre a onça e o sapo, ou entre a cobra e o lagarto.

Os dois meninos apreciavam com encanto aquela inocente alegria dos trabalhadores. Alfredo, principalmente, entusiasmava-se com as histórias e os desafios. Carlos, de espírito mais ponderado, conversava às vezes com o fazendeiro, e procurava instruir-se. Interessava-se pela cultura do algodão, e elogiava a abundância da colheita durante esses dias.

— Ora! — protestou o fazendeiro — tenho uma pequena plantação... Nem imagina você o que é a abundância em outras fazendas. Agora, sou, principalmente, um criador de gado, e não me dedico muito à lavoura. Mas fui lavrador no Maranhão, e tenho parentes que possuem muitas plantações de algodão em Pernambuco. O que você está vendo aqui é apenas uma insignificância; para mim, o algodão não é a renda principal: é apenas um proveito mais, para não se desperdiçarem a riqueza do chão e o resultado dos pés de algodoeiro que estão ali.

— Porque a terra é muito rica?

— Muito rica. E o algodoeiro dá-se muito bem em todas as terras do Brasil, tanto no norte como no sul. O algodoeiro exige muito sol, muita luz.

— Mas o melhor algodão é o daqui?

— É o melhor de Pernambuco e de Maranhão, mas todo o algodão de todo o Brasil é excelente.

— Dá muito trabalho a lavoura?

— Não muito. Está claro que a produção é melhor, quando a terra é bem revolvida, bem estrumada e bem irrigada, nas lavouras que empregam muito capital. Mas às vezes a lavoura é rudimentar, e nem precisa de arado. Corta-se o mato bravo, faz-se a queimada para destruir as raízes e limpar o solo, e abrem-se pequenas covas, pouco fundas, havendo entre elas a distância de metro e meio a dois metros. Cada cova recebe três ou quatro sementes. As sementes devem ser bem escolhidas, porque é da qualidade delas que depende a qualidade da colheita. As plantas aparecem logo ao cabo de seis a oito dias, depois da sementeira. Quando o pé chega até a altura de quase um metro, é sempre bom podá-lo, para dar força. Os algodoeiros chegam até o tamanho de cinco a seis metros de altura, e vivem oito anos e mais: e dão a primeira colheita já no oitavo ou nono mês de idade.

— E todo o algodão, que é colhido no Brasil, vai para o estrangeiro?

— Há uma grande exportação. Mas grande parte das colheitas é aproveitada pela indústria do Brasil. Há umas fábricas de fiação no Brasil. Nunca viu uma dessas fábricas?

— Nunca.

— Pois procure ver. O trabalho é admirável. Cada usina de fiação e de tecelagem é um mundo de maquinismos e de operários...

Assim, em cantos, música e conversa, passavam os serões.

Tinham chegado à fazenda numa Quarta-feira os três peregrinos. Na Quarta-feira seguinte, receberam doze mil réis, — uma verdadeira fortuna para eles, que ainda na semana anterior nada tinham de seu.

Terminada a colheita, dispunham-se a partir, quando souberam que, dali a três dias, no próximo Sábado, devia seguir uma boiada para Vila Nova. Propôs-lhe o fazendeiro que ficassem, para seguir com ela. Era um meio de ganharem mais dinheiro: Carlos aceitou a proposta com satisfação.