Aventuras de Hans Staden (6ª edição)/Capítulo 20

XX

FESTAS DE CANIBAIS


DALI foi Hans Staden á choça onde estava Cunhambebe, ao qual perguntou o que pretendia fazer dos mamelucos.

— "Devorá-los!" foi a resposta do truculento canibal. Em seguida o proibiu de conversar com eles. Cunhambebe estava encolerizado contra os mamelucos; achava que deviam ter ficado em casa, em vez de meterem-se com os tupiniquins.

Hans rogou-lhe que os deixasse viver, e os vendesse aos portugueses.

O truculento chefe tupinambá, porém, repetiu-lhe que seriam devorados.

Hans desanimou, mormente presenciando com que prazer de glutão Cunhambebe comia naquele momento uma perna humana assada.

Ia começar a festa. O chefe ordenara que cada qual levasse o seu prisioneiro para um sitio limpo, adequado ás dansas.

Feito isso, principiaram as cerimonias. Os prisioneiros foram obrigados a cantar e chocalhar os maracás, enquanto os indios dansavam em redor deles. Em certo momento adiantou-se um dos prisioneiros tupiniquins e falou com arrogancia, de cabeça erguida:

— "Sim, saímos como costumam fazer os bravos, para matar e comer nossos inimigos. Fomos vencidos e aprisionados, mas pouco importa. Os valentes morrem em terra inimiga. Nossa nação é poderosa e ha de vingar-nos!"

— Bravo! exclamou Pedrinho. Assim é que um homem deve morrer. E os tupinambás ?

— Os tupinambás responderam: "Sim, nós tambem nos vingamos, nós tambem vamos agora vingar os muitos irmãos que nos matastes".

Concluidas as dansas e as falas heroicas, cada qual levou consigo o seu prisioneiro.

Tres dias depois a expedição prosseguiu na viagem de volta. Boa que fôra a caçada, davam por conclusa a guerra. Os ubatubanos haviam capturado oito indigenas e tres mamelucos, além dos dois que levavam assados.

Logo que os guerreiros-caçadores chegaram a Ubatuba, Hans lembrou-lhes a promessa feita antes da partida, de o levarem a bordo do navio francês, ancorado em Iteron.

Os indios responderam que sim, que iriam levá-lo; mas primeiro queriam descansar e comer o "moquem", isto é, a carne dos mamelucos trazida já assada.

Em frente á cabana de Ipirú, onde residia Hans, ficava a cabana do cacique Tatamiri (foguinho). Este chefe deu uma festa; mandou preparar muito cauim e forneceu o assado : a carne de Jorge Ferreira, o filho do capitão português.

Os convidados beberam, comeram e cantaram, numa grande alegria.

No dia seguinte requentaram os restos do moquem e repetiram a festança.

A carne do mameluco Jeronimo pertencia a Paraguá, indio morador da cabana de Ipirú. Paraguá tinha saido da taba em procura de mandioca para fabricar cauim e estava demorando.

— Mas o cauim, vóvó, não era feito de milho? interpelou Pedrinho.

— Sim, de milho ou, na falta do milho, de mandioca, e ás vezes de milho e mandioca ao mesmo tempo, respondeu dona Benta. E prosseguiu :

Hans impacientou-se. O navio devia estar prestes a sair, de modo que a demora de Paraguá poderia mais uma vez transtornar-lhe os planos.

Afinal o indio voltou, trazendo a mandioca necessaria.

Fez preparar o cauim e reuniu os amigos para um regabofe em torno da carne de Jeronimo, que estava dura como pau.

A essa festa foram obrigados a comparecer os irmãos Braga e mais um mameluco de nome Antonio; tiveram de beber com os selvagens e assistir ao devoramento do companheiro.

Os indios conversaram com eles muito cordialmente, como se fossem amigos, mas na alma de ambos só havia desespero e dor, tão terrivel era o fim que os aguardava.

— E foram comidos esses moços? perguntou Narizinho.

— Não, minha filha. Puderam escapar. Hans indicou-lhes o melhor meio para isso e eles tiveram tanta sorte que conseguiram iludir a vigilancia dos indios e fugir para a terra dos tupiniquins.


Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.