XLVII
Digo eu que o casado, por alegrar sua mulher, e família, mesmo de seu movimento, mande (se as houvesse) fazer em sua casa duas, e três comédias cada ano. Seja êle próprio o que com elas convide ; tem-se aquilo em muito ; dizem logo dêle que é um anjo ; e na verdade é mostra de bondade folgar de que folguem os outros com as cousas decentes. Não como o nosso rei D. Pedro, que chamaram crú, e cruel, que mandava de noite acordar o povo que dormia, porque êle não podia dormir.
Arme outras tantas romarias, e folgas, que cheguem até aos menores. Mostre-se-lhes assim leve, e cuidadoso de seu regalo. Reparta com prudência dos mimos que lhe vierem, já da renda, já do presente. Há casas onde se perderão cem queijos de Alentejo antes que dar um a um criado. Aquilo de matar porcos pelo tempo é lance caseiríssimo, e bem aceito, que faz os homens bemquistos até da vizinhança. E para dar algum gôsto a esta baixeza (que não quis que me esquecesse) direi o que aqui dizia um malvado cortesão, que assim como cada homem, por bom govêrno de sua casa, devia matar cada ano pelo menos dous porcos ; assim por bem govêrno da rèpública, devia matar cada ano pelo menos dous vilãos ruins. Por tam bom costume tinha êste aquele agasalho ; o que bem favorece o nosso rifão quando diz : No dia de S. Tomé quem porco não tiver, matar pode a mulher.