TITULO 8.º

 
Das Disposições geraes, e Garantias dos Direitos Civiz, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros.
 

Art. 173. Assembléa Geral no principio das suas Sessões examinará, se a Constituição Politica do Estado tem sido exactamente observada, para provêr, como for justo.

Art. 174 Se passados quatro annos, depois dc jurada a Constituição do Brasil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles.

Art. 175. A proposição será lida por tres vezes com intervallos de seis dias de huma á outra leitura; e depois da terceira, deliberará a Camara dos Deputados, se poderá ser admittida á discussão, seguindo-se tudo o mais, que he preciso para a formação de huma Lei.

Art. 176. Admittida a discussão, e vencida a necessidade da reforma do Artigo Constitucional, se expedirá Lei, que será sanccionada, e promulgada pelo Imperador em forma ordinaria; e na qual se ordenará aos Eleitores dos Deputados para a seguinte Legislatura, que nas Procurações lhes confirão especial faculdade para a pretendida alteração, ou reforma.

Art 177. Na seguinte Legislatura, e na primeira Sessão será a materia proposta, e discutida, e o que se vencer, prevalecerá para a mudança, ou addição á Lei fundamental; e juntando-se á Constituição será solemnemente promulgada.

Art. 178. He só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Polit-icos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não he Constitucional, pode ser alterado sem as formalidades referidas, peias Legislaturas ordinarias.

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, he garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte

I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da Lei.

II. Nenhuma Lei será estabelecida seja utilidade publica.

III. A sua disposição não terá effeito retroactivo.

IV. Todos podem communicar os seos pensamentos por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajão de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela forma, que a Lei determinar.

V. Ninguém pode ser perseguido por motivo de Religião, huma vez que respeite a do Estado, e não affenda a Moral Publica.

VI. Qualquer pode conservar-se, ou sair do Imperio, como lhe convenha, levando com sigo os seus bens, guardados os regulamentos policiaes, e salvo o prejuizo de terceiro.

VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asilo inviolavel. De noite não se poderá entrar n’ella, se não por seu consentimento, ou para o defender de incendio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar.

VIII. Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações próximas aos lugares da residencia do Juiz; e nos lugares remotos dentro de hum praso razoavel, que a Lei marcará, attenta a extensão do territorio, o Juiz por huma Nota, por elle assinada, fará constar ao Reo o motivo da prisão, os nomes do seu accusador, e os das testemunhas, havendo-as.

IX. Ainda com culpa formada, ninguem será conduzido á prisão, ou n’ella conservado, estando já preso, se prestar fiança indonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou desterro para fora da Commarca, poderá o Reo livrar-se solto.

X. Á exçepção de flagrante delicto, a prisão não pode ser executada, se não por ordem escripta da Auctoridade legitima. Se esta for arbitraria, o Juiz, que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei determinar.

O que fica disposto á cerca da prisão antes de culpa formada, não comprehende as Ordenanças Militares, estabelecidas como necessarias á disciplina, e recrutamento do Exercito; nem os casos, que não são puramente criminaes, e em que a Lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos mandados da Justiça, ou não cumprir alguma obrigação dentro de determinada praso.

XI. Ninguem será sentenciado, senão pela Auctoridade competente, por virtude de Lei anterior, o na forma por ella prescripta.

XII. Será mantida a independencia do Poder Judicial. Nenhuma Auctoridade poderá avocar as Causas pendentes, sustal-as, ou fazer reviver os Processos findos.

XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada hum.

XIV. Todo o Cidadão póde ser admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos, ou Militares, sem outra differença, que não seja a dos seos talentos, e virtudes.

XV. Ninguém será exempto de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres.

XVI. Ficão abolidos todos os Privilegios, que não forem essencial, e inteiramente ligados aos Cargos, por utilidade publica.

XVII. Á excepção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juizos particulares, na conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Commissões especiaes nas Causas civeis, ou crimes.

XVIII. Organizar-sc-ha quanto antes hum Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade.

XIX. Desde já ficão abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas crueis.

XX. Nenhuma pena passará da pessoa do deliquente. Por tanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infamia do Reo se transmittirá aos parentes em qualquer gráo, que seja.

XXI. As Cadêas serão seguras, limpas, e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Reos, conforme suas circunstancias, e natureza dos seus crimes.

XXII. He garantido o Direito-de Propriedade em toda a sua plenitude; Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle previamente indemnisado do valor d’ella. A Lei marcará os casos, em que terá lugar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação.

XXIII. Tambem fica garantida a Divida Publica.

XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio pode ser prohibido, huma vez que não se oppenha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.

XXV. Ficão abolidas as Corporações de Officios, seus Juizes, Escrivães, e Mestres.

XXVI. Os inventores lerão a propriedade das suas descobertas, eu das suas producções. A Lei lhes assegurará hum privilegio exclusivo temporario, ou lhes remunerará em resarcimento da perda, que hajão de soffrer pela vulgarisação.

XXVII. O Segredo das Cartas he inviolavel. A Administração do Correio fica rigorosamente responsavel por qualquer infracção deste Artigo.

XXVIII. Ficão garantidas as recompemsas conferidas pelos serviços feitos ao Estado, quer Civis, quer Militares; assim como o direito adquerido a ellas na forma das Leis.

XXIX. Os Empregados Publicos são strictamente responsaveis pelos abusos, e ommissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos.

XXX. Todo o Cidadão poderá appresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expor qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores.

XXXI. A Constituição tambem garante os soccorros publicos.

XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.

XXXIII. Collegios, eUniversidades, aonde serão ensinados os elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes.

XXXIV. Os Poderes Constitucionaes não podem suspender a Constituição, no que diz respeito aos direitos individuaes, salvo nos casos, e circunstancias especificadas no § seguinte.

XXXV. Nos casos de rebellião, ou ir vasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado, que se dispensem por tempo determina do algumas das formalidades, que garantem a liberdade individual, poder-se-ha fazer por acto especial do Poder Legislativo. Não se achando porem a esse tempo reunida a Assembléa, e correndo a Patria perigo imminente, poderá o Governo exercer esta mesma providencia, como medida provisoria, e indispensavel, suspendendo-a immediatamente que cesse a necessidade urgente, que a motivou; devendo n’hum, e outro caso remetter á Assembléa, logo que reunida for, huma relação motivada das prisões, e d’outras medidas de prevenção tomadas; e quaesquer Auctoridades, que tiverem mandado proceder a ellas, serão responsaveis pelos abusos, que tiverem praticado a esse respeito.

Rio de Janeiro 11 de Dezembro de 1823.

João Severiano Maciel da Costa — Luiz José de Carvalho e Mello — Clemente Ferreira França — Marianno José Pereira da Fonceca — João Gomes da Silveira Mendonça — Francisco Villela Barboza — Barão de S. Amaro — Antonio Luis Pereira da Cunha — Manoel Jacinto Nogueira a Gama —— José Joaquim Carneiro de Campos. Mandamos por tanto a todas as Au­ thoridades, a quem o conhecimento e exe­ cução desta Constituição pertencer, que a jurem e fação jurar, a cumprão e fação cumprir e guardar tão inteiramente como n’ella se contem. O Secretario de Estado dos Negocios do Imperio, a faça imprimir, publicar, e correr. Dada na Cidade do Rio de Janeiro aos vinte e cinco de Março de mil oitocentos, e vinte e quatro, terceiro da Independencia e do Imperio.

 
IMPERADOR Com Guarda.
 

João Severiano Maciel da Costa.

 

CArta de Lei, pela qual VOSSA MAGES­TADE IMPERIAL Manda cumprir e guar­dar inteiramente a Constituição Politica do Imperio do Brasil, que VOSSA MAGES­TADE IMPERIAL Jurou, annuindo ás Representações dos Povos.

 

Para Vossa Magestade Imperial ver.

 

Luiz Joaquim dos Santos Marrocos a fez.

 

Registada na Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio do Brasil a fl. 17 do Liv. 4.° de Leis, Alvarás, e Cartas Imperiaes. Rio de Janeiro em 22 de Abril de 1824.

 

José Antonio d’Alvarenga Pimentel.