Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/A adivinha do rei


57. A ADIVINHA DO REI

Tinha um rei um ministro em quem depositava toda a confiança; mas uma vez tal teiró lhe ganhou, que resolveu dar cabo d’elle e disse:

— Não tenho outro remedio senão mandar-te matar; mas como em tempo te estimei muito, ainda te deixo uma esperança, e é que me mandes cá a tua filha, para vêr se ella é capaz de adivinhar o meu pensamento, o qual vem a ser: Que não hade vir nem de noite, nem de dia; nem núa, nem vestida; nem a pé, nem a cavallo.

Foi o ministro para casa, muito afflicto, como era de esperar, e contou as suas tristezas á filha. Ella como esperta, disse:

— Deixe estar, meu pae, que eu já sei qual é o pensamento do rei, e d’esta lhe juro que o hei-de salvar.

Preparou-se, o no dia seguinte arranjou as suas cousas, de modo que entrou no palacio ao lusco com fusco; ia com uma camisa fina de cambraia em cima do corpo, e levada ás cavalleiras de um criado velho que tinha. O rei assim que a viu, conheceu que o lusco com fusco não era nem noite nem dia; que vindo em camisa não vinha vestida, mas tambem não estava despida; e que ás costas do criado não estava a cavallo, mas tambem não estava a pé. Louvou muito a esperteza da menina, e disse-lhe que fosse d’ali dar parte ao pae que estava perdoado, e que tornava a entrar na sua confiança, porque quem tinha filhas assim espertas era homem de capacidade.

(Porto.)


57. A adivinha do rei. — O editor dos Awarische Texte, Schiefner, traz uma versão finnica d’este conto: «Um rei ordena ao filho de um aldeão de vir ter com elle á sua presença, nem de noute, nem de dia, nem pelo caminho, nem por atalho, nem a pé, nem a cavallo, nem vestido, nem nú, nem dentro, nem fóra. O intelligente moço, veste-se com uma pelle de cabra, faz-se levar á cidade, no crepusculo da manhã, deitado no fundo de um cofre, com um crivo n’um pé e uma escova no outro; depois parou no limiar da porta do rei, tendo uma perna fóra e outra dentro.» (Gubernatis, Mythologie zoologique, t. I, p. 154.) O illustre critico considera como pertencendo á classe dos enigmas astronomicos. Nos Contos de Grimm intitula-se A Bavara astuta; Brueyre, nos Contes populaires de la Grande Bretagne, p. 169, not. 1, citando o enigma de Diarmaid, transcreve tambem uma pequena lenda irlandeza de Kennedy analoga á portugueza.