Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/A paraboinha de ouro
Era de uma vez tres irmãs, que viviam juntas; a mais nova punha á janella uma bacia com agua e ali vinha espanejar-se um passarinho, que era um principe encantado, que fallava com ella. As irmãs tomaram-lhe grande inveja, e procuraram geito de acabar com as conversas; espreitaram e viram o principe, e metteram na bacia de agua muitas navalhas de barba. Quando ao outro dia veiu o passarinho lavar-se, cortou-se e foi-se embora; a pequena veiu á hora do costume, e o passarinho não apparecia; só quando olhou para a agua e a achou cheia de sangue e com as navalhas de barba, é que comprehendeu a traição das irmãs. Foi por esse mundo além, perguntando se alguem sabia onde estava o principe encantado; até que chegou a casa da Lua. A mãe da Lua disse-lhe:
— Ai menina, que vem aqui fazer? Se o meu filho a acha cá… Olhe que elle tem uma cara muito arrenegada.
A menina sempre lhe contou o que queria, e a velha escondeu-a e disse-lhe que havia de perguntar ao filho, onde é que estava o principe. Por fim entra a Lua, muito arrenegada, dizendo:
— Cheira-me aqui a folego vivo.
A velha lá socegou a Lua, e perguntou o que a menina queria; respondeu a Lua:
— Eu sei lá d’elle! todos os que estão doentes me fecham as janellas assim que anoitece! O Vento é que hade saber.
A mãe da Lua deu á menina uma paraboinha de ouro, e ella foi ter á casa do Vento. A mãe do Vento tambem perguntou ao filho, e elle disse:
— O principe está muito longe e eu já lá cheguei, mas como está doente fecharam-me todas as janellas. O Sol é que sabe onde é que o principe está.
A menina foi-se embora, e a mãe do Vento deu-lhe uma roca de ouro cravejada de diamantes. Até que chegou á casa do Sol; a mãe tratou-a muito bem, e nisto entrou o Sol muito radiante e alegre, e disse onde é que estava o principe, e ensinou-lhe o caminho. A mãe do Sol deu-lhe um fuso de ouro.
A menina chegou defronte do palacio e sentou-se, mas estava tudo fechado. Puchou da sua paraboinha e pôz-se a dobar. As criadas do palacio viram aquillo e foram-n’o dizer á rainha, que lhe mandou dizer que queria comprar aquella paraboinha. Ella respondeu:
— Só se me deixarem entrar no quarto do principe.
E pôz para a banda a paraboinha, e começou a fiar na roca de ouro cravejada de diamantes. Foram dizel-o á rainha, e ella tornou a mandar-lhe pedir que lhe vendesse a roca e a paraboinha; a menina respondeu, que só se a deixassem entrar no quarto do principe. A rainha quiz, e a menina foi ter ao quarto aonde estava o principe doente e cheio de feridas. A menina chegou-se ao pé da cama, fallou-lhe, e elle conheceu-a; contou-lhe então a traição que as irmãs lhe fizeram com inveja. O principe ficou muito contente com a verdade e melhorou de repente, contou tudo á rainha e casou e viveram ambos muito felizes.
(Algarve.)
Notas
editar31. A paraboinha de ouro. — O episodio da bacia magica é frequente em outros contos. (Gub. Mythologie zoologique, t. II, p. 315.) Nos Contos populares portuguezes, n.º XLIV, vem uma versão de Ourilhe, O principe das palmas verdes, com o estribilho poetico:
Principe das Palmas verdes
Não te lembres de mim;
Lembra-te do teu filho
Que o tens ao pé de ti.
Na Biblioteca de las Tradiciones populares españolas, t. I, p. 126, vem uma versão do Chili, com o titulo El Principe Jalma.