Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/As orelhas do abbade


117. AS ORELHAS DO ABBADE

Um sujeito bom caçador convidou o abbade da sua freguezia para ir comer com elle duas perdizes guisadas, e deu-as á mulher para as cosinhar. A mulher, raivosa por não contarem com ella, cosinhou as perdizes e comeu-as. N'isto chega o abbade muito contente, e diz-lhe a mulher:

— Fuja, senhor abbade, que o meu homem jurou que lhe havia de cortar as orelhas, e isto das perdizes foi um pretexto para cá o pilhar.

O abbade não quiz ouvir mais, e elle, por aqui me sirvo.

O marido chega, e diz-lhe a mulher:

— O abbade ahi veiu, viu as perdizes, e não querendo esperar mais por ti, pegou n'ellas ambas e foi-se embora.

O homem vem á porta da rua, e ainda vê o abbade fugindo, e começa de cá a gritar:

— Oh, senhor abbade! Pelo menos deixe-me uma.

— Nem uma, nem duas! Respondeu elle lá de longe.

(Ilha de S. Miguel.)




117. As orelhas do Abbade. — Esta vulgarissima facecia já se encontra na Sobremesa y Alivio de Caminantes, conto 51, da edição Ribadaneyra, p. 181.

Acha-se no Fabliau des Perdrix (Recueil de Fabliaux, p. 159); no Passa tempo dè Curiosi, p. 22; nos Nouveaux Contes à rire, p. 266; nas Facetie, motti et burle, da Ch. Zabata, p. 36; e nos Contes du Sieur d'Ouville, t. II, p. 225.