Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/Tic-taco
Um frade passava todas as tardes rente da janella de uma mulher casada, e dizia-lhe:
— Tic-taco.
A mulher contou tudo ao marido, e elle disse:
— Havemos de dar uma lição boa ao frade. Quando elle tornar a passar e disser a mesma coisa, dize-lhe que póde entrar; depois eu começo a tossir, e tu esconde-o dentro de um sacco, que o resto vae por minha conta.
Ao outro dia o frade passou rentinho á janella, e já lusconfusco. Repetiu a gracinha:
— Tic-taco.
— Póde entrar.
Foi o que o frade quiz ouvir. A mulher fechou a porta e levou-o para dentro. N'isto o marido tossiu; ella finge-se atrapalhada:
— Ai, o meu marido que chegou! Metta-se vossa reverencia já aqui n'este sacco, ao pé d'estes outros que estão cheios de milho.
O frade metteu-se no sacco; a mulher atou-o e encostou-o aos outros que estavam cheios. Vem o marido o diz:
— Temos ladrões em casa, porque me avisaram e estão por ahi escondidos.
Começou a correr todos os cantos, e por fim exclamou:
— Não dou com elles; só se se esconderam dentro d'esses saccos.
E começou a dar pauladas nos saccos para a direita e para a esquerda, e o frade ia tambem apanhando a sua doze á chucha-callada.
— Assim como assim, não está cá ninguem. E foi-se embora.
A mulher de combinação, já se sabe, veiu tirar o frade do sacco, e elle safou-se como Deus quer e é servido. Passado tempo aconteceu passar elle pela mesma rua, e a mulher disse-lhe da janella:
— Tic-taco.
Respondeu o frade com cara arrenegada:
— Não sou gorgulho que vá ao seu sacco.
(Ilha de S. Miguel.)
Notas
editar116. Tic-taco. — Esta facecia insulana acha-se nas Notte piacevoli de Straparole (Facetieuses nuits, nuit II, fab. 5.) Um fabliau da Edade media desenvolveu este conto De la Dame qui attrapa un Prêtre. Vid. outros paradigmas na versão franceza de Straparole, p. XX.