Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/As trez fadas
Era uma vez uns casados que não tinham filhos, e viviam por isso muito descontentes. A mulher foi-se confessar ao Padre Santo Antonio, e contou-lhe o seu desgosto. O santo deu-lhe tres maçãs, para que as comesse em jejum. A mulher chegou a casa, pôz as trez maçãs sobre uma commoda, e foi arranjar o almoço. O marido vindo de fóra encontrou as tres maçãs e comeu-as.
Ao almoço a mulher contou o succedido na confissão, e o marido ficou todo assustado. A mulher foi outra vez fallar com o santo, que lhe disse:
— Pois os trabalhos por que tínhas de passar, o teu marido que os passe.
Chegado o tempo o homem começou a gritar, chamou-se pessoa entendida, e abriram-no para o alliviar. O homem desesperado mandou deitar a criança no monte. Uma aguia desceu do ár e levou a criança no bico e lá a creou com o leite que ia tirar ás vaccas que andavam pastando, e agasalhava-a com a roupa que pilhava pelos estendedouros. Fez-lhe uma casinha de palha, e ali se creou a pobre criança, que se tornou uma menina formosa.
Um dia passou por aquellas montanhas um principe que andava á caça; viu aquella menina tão linda, e perguntou-lhe se ella queria ir com elle. Respondeu que sim. Quando a metteu na carruagem, acudiu a aguia para lh’a tirar, mas não podendo ainda lhe vasou um olho. A menina ficou com aquelle grande defeito, mas o principe não deixou de a amar. Levou-a comsigo, e escondeu-a no seu quarto no palacio. A rainha desconfiada de vêr o filho sempre fechado no seu quarto, quiz saber o que seria, e combinou uma grande caçada, que durava dias. Foram todos e por lá andaram, e a rainha pôde entrar no quarto do filho por uma porta que só ella sabia. Assim que entrou viu a menina:
— Ah! és tu, torta zarôlha, que tanto encantas o meu filho? Anda d’ahi vêr estes palacios e o jardim.
A menina foi com a rainha; assim que chegaram ao jardim, levou-a para o pé de um poço muito fundo, e deitou-a lá dentro. Quando veiu o filho da caça, foi logo ter com elle:
— Aquella torta zarôlha que tinhas fechada no teu quarto, assim que se lhe abriu a porta, botou a correr por ahi fóra, e ninguem foi capaz de a apanhar.
De noite passaram trez fadas pelo pé do poço e sentiram uns gemidos:
— Que será? que não será?
— São vozes de mulher.
Chegaram á borda do poço para escutarem melhor, e disse uma das fadas:
— Eu te fado que saias d’esse poço cá para fóra, e que sejas da maior perfeição do mundo.
— Pois eu te fado que tenhas uma tezourinha de prata, para cortares a lingua a quem te perguntar as cousas duas vezes.
— E eu te fado que tenhas um palacio defronte do palacio da rainha, que seja velho por fóra, mas por dentro chapeado de ouro e prata.
Ao outro dia, ficaram todos espantados no paço por verem um grande palacio antigo defronte, sem se lembrarem como e quando é que o ali edificaram. A rainha ainda ficou mais pasmada com aquillo, e mandou o seu velho camareiro saber o que era, e quem morava ali.
O camareiro entrou no velho palacio mas ficou assombrado com o que viu por dentro; appareceu-lhe uma menina muito ricamente vestida, a quem fez as perguntas de mandado da rainha. Ella respondeu:
Diga a sua magestade
Que minha mãe me desejou,
Que foi meu pae que me teve
E nas silvas me deitou;
Uma aguia me creou,
Na caça o principe me achou,
A rainha ao poço me deitou,
Mas tres fadas me fadaram,
Para aqui me trouxeram
E eu d’aqui me não vou.
O camareiro não ficou logo com o recado na cabeça, e pediu á menina para o repetir; e ella disse então:
— Desanda tezourinha.
Caiu-lhe a lingua n’um instante; o camareiro voltou para o palacio, e só podia dizer: ló-ló-ró, ló-ló-ró. A rainha mandou lá outro fidalgo, mas tambem lhe succedeu o mesmo. Por fim foi lá o principe, e quando ouviu aquelles versos que a menina dizia, veiu dar parte á rainha, que se quiz certificar com os seus olhos, e depois deu licença para o filho casar com ella.
(Algarve.)
Notas
editar5. As tres fadas. — No conto hindu de Sonrya-Bai, a menina tambem nasce de um fructo de manga, e tendo anteriormente sido roubada, depois que volta á sua casa desposa um principe. Sobre o rapto por uma aguia, diz Husson: «Os contos populares gregos mais ou menos conservados pelos poetas ou reproduzidos nos vasos pintados, fazem-nos conhecer muitas nymphas encantadoras, Thalia, Egina, Ganymeda, Asteria, egualmente arrebatadas por uma aguia divina.» Em uma versão popular de Abrantes, ha o estribilho:
Tesourinha, tesoureta,
Corta aquella lingueta.