Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/Lenda das manchas da Lua
Uma vez andava um homem a trabalhar ao domingo apanhando silvas. Appareceu Deus e disse-lhe:
— Então andas a trabalhar ao domingo?
— Senhor, aqui ninguem me vê n’este canto.
— Pois deixa estar que toda a gente te ha-de vêr.
Depois Deus collocou na Lua o homem com o mólho de silva ás costas. É elle que, andando lá, produz as manchas.
(Freixo, Carrazeda de Anciães, etc. — L. de Vasconcellos, Vanguarda n.º 24.)
A Lua era mais linda do que o Sol. O Sol queria casar com ella, mas a Lua não lhe dava cavaco. Elle então despeitado atirou-lhe á face com cinza, e ella a elle com agulhas de costura.
A Lua ficou sem brilho, e o Sol cheio de raios. Ainda nos eclipses é o Sol que batalha com a Lua.
(Porto, Vimieiro, Leça do Balio, Famalicão, Carrazeda, Torre de D. Chama. — Ibidem.)
Notas
editar191. A lenda das manchas da Lua. — Stanisláo Prato estudou largamente esta lenda no opusculo L'Uomo nella Luna, como complemento ao ensaio critico sobre Caino e le Spine secondo Dante e la tradizione popolare; n'ella cita versões de diversos paizes: Contes populaires de la Haute Bretagne, de Paul Sebilot, 2.ª serie, n.º 64; na Melusine, de Gaidoz e Rolland, p. 403-6, n.º 5; nos Norddeutsche Sagen, de Kuhn e Schwartz, n.º 55; nas Seize Superstitions populaires de la Gascogne, de Bladé, n.º 4, p. 10. Na tradição popular açoriana é um pescador que anda de noite ás lapas, que é arrebatado para a lua. A lenda deriva-se da crença gauleza e scythica da transmigração das almas para a lua. (Vid. Belloguet, Ethnogénie gauloise, t. III, p. 184.) A ideia de castigo affrontoso é uma reacção contra o antigo respeito da crença religiosa.
192. Outra. — Consiglieri Pedroso, nos seus Estudos sobre Tradições populares portuguezas, colligiu esta lenda como superstição sob o n.º 578: «O sol passou pela lua e atirou-lhe com uma mão cheia de terra; por isso ella ficou escura e com manchas.»