Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/Os ditados novellescos
- I. — Fórmulas iniciaes
Era uma vez um Conde,
E ia por uma ponte…
Queres que te conte?
*
Era uma vez um Bispo…
Não sei mais do que isto.
*
Era uma vez um Rei…
Aqui está o que eu sei.
*
Era uma vez
Um Rei e um Bispo,
Acabou-se o conto,
Não sei mais do que isto.
*
Era uma vez
Um cêsto e uma canastra…
Para conto já basta.
*
Era uma vez uma menina
Chamada Victoria,
Morreu a menina,
Acabou-se a historia.
*
Era uma vez um homem
Que vivia n’uma aldeia,
Não tinha medo á fome
Em tendo a barriga cheia.
*
«Era uma vez
Um porco montez,
Alça-lhe o rabo,
Chupa-lhe o pez.
— Alça-lh’o tu,
Que és mais cortez.
«Chupa-lh’o bem,
Quanto mais chupas
Mais elle tem.
II. — Fórmulas finaes
Quem o disse está aqui,
Quem o quizer saber vá lá.
*
A certidão está em Tondella,
Quem quizer vá lá por ella.
*
Está a minha historia acabada,
Minha bocca cheia de marmellada.
*
Está a minha historia dita,
E a tua bocca cheia de furrica.
*
— E depois?
«Morreram as vaccas,
Ficaram os bois .
*
Quem o disse está aqui,
O que já lá vae, lá vae;
Sapatinho de manteiga
Escorrega mas não cáe.
*
Entrou por uma porta
E sahiu por outra;
Manda el-rei meu senhor
Que me conte outra.
III. — Fórmulas proverbiaes dos contos
Quem conta um conto
Accrescenta-lhe um ponto.
*
De longas vias
Longas mentiras.
*
Foi Maria á fonte,
Trouxe que contar todo o anno.
Notas
editarPag. 224. Ditados novellescos. — Nas tradições populares são frequentes estes estribilhos iniciaes e finaes. Colhemos alguns da collecção de Leite de Vasconcellos, no Folk Lore andaluz, p. 214. Rodriguez Marin, nos Contos populares españoles, t. V, p. 46, traz as seguintes fórmulas iniciaes: Era vez y vez, Erase que se era, que nos parece analoga á fórma insulana: Era, não era, no tempo da éra. Marin cita um trecho de Quevedo (Musa VI, rom. 29):
Doncellas no sé que son,
Porque me contó una vieja,
Que ya son sólo en los cuentos
Fruta de Erase que se era.
E Cervantes tambem escreve: «Suelen los muchachos antes de comenzar un cuento ó consexa, decir:
Erase lo que era:
el mal que se vaia
y el bien que se venga;
el mal para los moros
y el bien para nos otros.
(Quijote, I, 20.)
Em Cuba repete-se um estribilho em fórma de conto, com que se arrelia ás crianças; tral-o Marin:
Este era um gallo pelado,
que tiene los pies de trapo
y la cabeza al revés;
Quieres que te lo cuente otra vez?
(El nino responde que — si.)
Yo no digo que digas si,
Si no que si quieres que te cuente
el cuento del Gallo-pelado.
(Cantos populares españoles, t. V, p. 16.)
A circumstancia de alçar o rabo e chupar o pez, acha-se em um estribilho da Extremadura hespanhola:
Era uma vez y vez
Una cabrita
Que tenia um chivito
Con los ojos de ver
Y el culito de lamer.
Quieres que te le conte otra vez?
(Folk Lore Betico Extremeño, p. 210.)
Costa Cascaes, no Panorama (t. XII, p. 115 e 118), traz intercaladas em uns versos seus, algumas fórmulas finaes. Vid. nota 118. No final de um conto de Huelva vem «unos zapatitos de manteca».