CAPITULO XVII

 
O «Neva» — Chegada a Shangai. — As concessões estrangeiras. — A cidade chineza. — A criação dos peixes dourados na China. — Um jantar no consulado francez. — Uma parisiense na China. — O duque de Penthièvre.


Já longe das costas do bello paiz que acabavamos de deixar, um terrivel temporal nos accommetteu, e durante o trajecto das 450 milhas, que separão os dois imperios, fomos bruscamente embalados a bordo do Neva, immenso navio de pinho de dois altos andares e que navegava pelo impulso de uma poderosa machina de balancim.

Máo grado as grossas vagas, que a todo instante quebravão-se contra o bombordo do Neva, chegamos á florescente cidade de Shangai com cincoenta e quatro horas de viagem, ao cahir do dia; e, apezar de ser já noute, obtivemos permissão para desembarcar depois de terem sido nossas malas sujeitas a formal exame, pelos empregados da alfandega dessa cidade. Soubemos que só no fim de doze dias deveria partir para França um velho navio das Messageries chamado no tempo do imperio Imperatriz Eugenia e que, então, apenas lembrava uma devisão territorial da França: La Provence.

Longe de nos affligir essa demora, ficamos satisfeitos por dispôr de doze dias para visitarmos a cidade de Shangai que se nos apresentava com feições inteiramente europêas pelas suas bellas edificações, largas ruas e ajardinadas praças.

Procuramos, logo que desembarcamos, uma hospedaria na concessão franceza, apezar de não ser a melhor da cidade, era comtudo de bom trato, e pertencente a um honesto negociante francez.

No dia seguinte, procuramos o Sr. Consul da França, á quem fomos recommendado pelo Sr. Janssen, o qual nos recebeu com a mais cordial delicadeza, e nos offereceu um aposento no palacete do consulado. Segundo a pratica que até então tinhamos seguido em favor de nossa independencia, procuramos razões acceitaveis para recusarmos tão delicado offerecimento.

A cidade de Shangai é antes uma cidade internacional do que possessão do celeste imperio. Alli se encontrão quarteirões francezes, inglezes, e americanos, perfeitamente distinctos e habitados pelos cidadãos das respectivas nações; comtudo, os residentes pagão um certo imposto territorial correspondente a extensão da arêa que occupão com seus armazens e casas de moradia.

O consul, é a primeira autoridade da concessão, porém as questões municipaes, ou antes ás que dizem respeito a impostos de casas de negocio, a viação, edificação, etc., são resolvidas por uma especie de conselho municipal, eleito pelos residentes, porém cujos membros podem ser suspensos pelo consul.

Os chins de Shangaï não se parecem com seus compatriotas das cidades do Sul. A raça é mais pura e os individuos são, em geral, de alta estatura, robustos e muito mais activos; e tivemos occasião de vêr algumas mulheres de tez rosada e fresca que se afastavão sensivelmente do typo vulgar da raça chineza.

A influencia do clima, muito mais ameno que o das cidades do Sul do Imperio muito concorre para isso. Hong-Kong, Contão e outras cidades do Sul do Imperio, são, durante sete mezes no anno, sujeitas a um clima ardente não só devido a sua posição geographica como aos calidos ventos do Sul que ahi soprão continuadamente. Emquanto que Shangai que é situada na costa oriental da China, acha-se sob a influencia dos ventos da Siberia e em uma latitude bastante elevada.

Visitamos a cidade Chineza, que se acha edificada entre altas muralhas, que devem offerecer grande resistencia, em caso de guerra.

Suas ruas são muito estreitas e immundas, e, durante os dias de chuva, a camada de lama que cobre os passeios, eleva-se a um palmo mais ou menos de espessura.

As casas ou armazens de venda são baixas e muito pouco ventiladas, entretanto, no interior de taes gaiolas, encontrão-se muitas vezes mil objectos d’arte de grande valor artistico.

Logo ao entrar na cidade chineza, pela porta principal, encontra-se em frente, a rua dos Bronzes. Alli, vê-se grandes vasos de um a dois metros de altura, esculpidos com arte e representando os monumentos, os combates e outros feitos, em geral, assumptos da historia da China. Segundo os amadores, os vasos em bronze chinezes, não tem o mesmo valor dos mesmos objectos trabalhados pelos japonezes, que são mais artistas do que seus vizinhos. Do mesmo modo, a porcellana japoneza é muito mais procurada do que a chineza que não prima pelo colorido, nem pela fineza da massa. Entretanto, apezar destes dois povos se acharem em completa opposição quanto aos costumes, usos, lingua, e serem, como foi verificado, de origem muito diversa, a industria da porcellana, do bronze e do charão, acha-se quasi na mesma situação nos dois paizes.

Assim, vimos que os processos da fabricação são os mesmos em ambos os paizes, e que sómente no trabalho artistico e no fabrico da porcellana chamada casca de ovo, os japonezes sobresahem aos chins; e quanto a fineza da massa dizem ser divida a melhor qualidade do kaolim do Japão.

Em uma das nossas visitas á cidade da China, visitamos os grandes aquarios de Shangai, onde os chins crião certos peixes que servem de ornamento, pelas suas brilhantes côres e fórmas.

Os mais interessantes, são os peixes tellescopios, que forão transformados pelos creadores chins em perfeitas bolas animadas, que apresentão em certa parte, os olhos e a boca, e na parte que lhe é diametralmente opposta, á cauda. As escamas destes animaes reflectem todas as côres do arco-iris, em alguns, predomina o dourado, emquanto que em outros, a côr prateada. Dizem os chins, que estes peixes apresentavão em outros tempos a fórma ordinaria, porém que, por meio de operações, conseguirão modificar-lhes a fórma, que é hoje obtida pela reproducção. Longe de fenderem as aguas, esses lindos peixinhos rolão sobre si mesmo com certa ligeireza, fazendo brilhar a linda couraça que lhes cobre o corpo.

Uma outra especie interessante de peixinhos, conhecida pelo nome de arco-iris, são criados pelos chins, ainda que sejão originarios do Japão. A sua fórma é alongada, os seus olhos parecem duas opalas, que reflectem sob a agua raíos dourados e prateados, suas escamas fórmão um verdadeiro mosaico que parece formado com saphiras, esmeraldas, rubins, topazios e amatistas, separadas com pequeninas e iguaes perolas.

Comtudo, o mais interessante dos peixinhos chinezes é o macropodo, não, sómente, pelo brilho de suas côres, e originalidade de fórma, como tambem pelo seus habitos de vida.

As escamas do macropodo appresentão listas verticaes de côr amarella, vermelha e azul que se alternão formando côres iriadas até a extremidade da cauda.

Quando se approxima a epocha da femêa pôr, os macropodos fórmão bolhas de ar que introduzem em um liquido viscoso e que torna-se solido, em seguida, forrão o fundo do aquario com esta substancia. Apenas a femea poe, o macho com a

é bocca recolhe os ovos e vai deposital-os na rêde viscosa que acabou de construir, não se descuidando desde então, por um só instante, de prodigalisar á sua progenitura, em estado embryonario, todos os cuidados até o nascimento dos filhinhos.

Logo que nascem, os macropodos não se alimentão de substancias organicas; é necessario deitar no aquario diversos infusorios como os monadas, paramecias etc. No fim de 20 dias de se alimentarem com estes animalculos, os peixinhos encontrão no aquario a necessaria alimentação.

Os macropodos vivem perfeitamente em todos os climas, tanto sob fraca camada de gelo como em agua na temperatura de 40 gráos centigrados.

Fizemos aquisição em Shangai de 40 a 50 exemplares de cada uma das tres especies, porém, com o movimento do navio a agua dos aquarios se deslocava a todo instante occasionando ferimento nos pequenos peixes do que resultou a morte do maior numero, chegando à França, apenas 8 peixes (tellescopios, 3 dos denominados arco-iris e 10 macropodos.

Finalmente, por um accidente quebrou-se no trem de ferro o aquario em que estavão os macropodos, e só podemos dispôr em Paris, dos peixes tellescopios e dos arco-iris que offerecemos ao sabio naturalista do Muzeu, o qual com tanta distincção se tem dedicado ao estudo da piscicultura.

Já nos achavamos, havia alguns dias em Shangai, quando recebemos um convite do Sr. Consul de Franca para jantarmos e passarmos em sua companhia a soirée no bello palacio do consulado.

Ahi, encontramo-nos com a officialidade de um navio de guerra franceza surto no porto de Shangai, com o Sr. Chanceler da legação Franceza e com a bella espirituosa esposa deste funccionario, que muito concorreo para tornar a conversação animada e muito agradavel.

Logo ás primeiras palavras que esta joven senhora nos fez a honra de dirigir, conhecemos a parisiense, que nem na China, cede a qualquer outra Senhora o primeiro lugar que todos lhe conferem nas boas sociedades.

Comprehenderá, pois, o leitor, quanto nos foi agradavel, depois de estarmos oito mezes separados da sociedade occidental, e quando já nos achavamos habituados com a ingenuidade e singeleza dos japonezes, fazer frente á conversação de intelligente parisiense, que no seu fino tracto social facilmente habitua-se a empregar, mesmo na mais insinuante conversação, uma certa fórma que a transforma insensivelmente em argumentação socratica.

Entretanto, o cavalheiro imparcial que conhece a bôa sociedade parisiense, só póde confessar que ella sabe harmonisar a discripção com a curiosidade, certos prejuizos absurdos de sexo com o mutuo respeito, finalmente, até o religioso com o profano; e, em geral, o quadro da vida dos salões nada mais do que o da vida intima ou de familia, depois de amplificado; a differença, é que na familia amisade deve ligar todos membros, e nos salões, o que garante a confiança mutua é uma educação liberal, porem bem exemplificada pela moralidade das familias. Quanto á sua existencia, tambem comprehendida na França, é devida a necessidade que todos temos de não deixarmo-nos dominar pelo tédio.

Na soirée dada pelo Sr. Consul de França, soubemos que se achava como immediato a bordo do navio francez, surto em Shangaï, o duque de Penthièvre, filho de uma brasileira distincta, irmã do actual Chefe da nossa patria.

Um obsequioso official francez offereceo-se para apresentar-nos no dia seguinte ao jovem immediato do navio de guerra francez, porém, não insistimos, em razão de taes apresentações feitas á certos principes, serem por elles consideradas verdadeira homenagem que um inferior presta a seo superior.

Enganavamo-nos, como verificamos mais tarde, sobre o principe de Penthièvre. Nascido no exilio, lutando como verdadeiro homem contra as contrariedades da vida, este joven official, não tendo jamais provado do suor do povo, é, ao contrario, bravo servidor da patria e muito digno filho do principe de Joinville, e de sua virtuosa esposa.

E se reconhecemos publicamente o merito real do joven official de marinha, em serviço da Republica Franceza, o fazemos levados exclusivamente pela sympathia que nos soube inspirar suas nobres qualidades e não influenciados pela posição de seos antepassados nos tempos escuros.

Tendo observado que muitas vezes os filhos dos poderosos abuzão da lei, são insolentes e cidadãos imprestaveis, termos, de passagem, fallado no principe de Penthièvre, encontra explicação no sentimento de justica que nos anima, maxime quando conhecemos a desciplina, a que voluntariamente elle se sujeita, sendo official de marinha, e de que, segundo seos companheiros, é o primeiro a dar o exemplo.

Neste caso, ser descendente de reis, encarece as virtudes de quem tambem é bom cidadão e valente servidor da republica.