Em casa de EDUARDO. Jardim.

CENA PRIMEIRA

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EDUARDO, CARLOTINHA, D. MARIA

EDUARDO – Lembras-te do que me prometeste?

CARLOTINHA – Falar-lhe de Henriqueta?... Lembro-me.

EDUARDO – Que te disse ela?

CARLOTINHA – Muita coisa! Mamãe não nos ouvirá?

EDUARDO – Não; podes falar. Estou impaciente!

CARLOTINHA – Aí vem ela!

D. MARIA – Ora, Carlotinha, tu com as tuas flores tens tomado de tal maneira os canteiros que já não posso plantar uma hortaliça.

CARLOTINHA – Porém, mamãe... É tão bonito a gente ter uma flor, uma rosa para oferecer a uma amiga que nos vem visitar!

D. MARIA – É verdade, minha filha; mas não te lembras que também gostas de dar-lhes uma fruta delicada... Assim os meus morangos estão morrendo, porque as tuas violetas não deixam...

CARLOTINHA – É a flor da minha paixão! As violetas! Que perfume!

D. MARIA – E os meus morangos, que sabor! Não tenho mais um pé de alface ou de chicória...

EDUARDO – Não se agonie, minha mãe, eu mandarei fazer uma pequena divisão no quintal. Deste lado Carlotinha terá o seu jardim; do outro V.M.ce mandará preparar a sua horta.

D. MARIA – Estimo muito, meu filho! É por vocês que eu tomo este trabalho.

EDUARDO – E nós não o sabemos? Todo o nosso amor não paga esses pequenos cuidados, essas atenções delicadas de uma mãe que só vive para seus filhos.

D. MARIA – O único amor que não pede recompensa, Eduardo, é o amor de mãe; mas se eu a. desejasse, que melhor podia ter do que o orgulho de ver-te em uma bonita posição, admirado pelos teus amigos e estimado mesmo pelos que não te conhecem?

CARLOTINHA – Não o deite a perder, mamãe; depois fica todo cheio de si!

EDUARDO – Por ter uma irmã como tu, não é?

CARLOTINHA – Não se trata de mim.

D. MARIA – Vocês ficam? A tarde está bastante fresca!

EDUARDO – Já vamos, minha mãe.

CENA II

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EDUARDO, CARLOTINHA

CARLOTINHA – Ora, enfim! Podemos conversar, mano!

EDUARDO – Sim! Estou ansioso por saber o que ela te disse! Com que fim veio ver-te! Naturalmente foi para dar-me mais uma prova de indiferença, participando-te o seu casamento!

CARLOTINHA – Foi para vê-lo uma última vez! Ah! você não se lembra, então, do que se passou! Fala de indiferença? É ela que se queixa da sua frieza, do seu desdém!

EDUARDO – Ela queixa-se... E de mim!... Estava zombando?

CARLOTINHA – Zomba-se com as lágrimas nos olhos e com a voz cortada pelos soluços?

EDUARDO – Que dizes? Ela chorava!...

CARLOTINHA – Sobre o meu seio; e eu não sabia como a consolasse.

EDUARDO – Não compreendo!

CARLOTINHA – Por quê?

EDUARDO – Eu te direi depois. Conta-me o que ela te disse.

CARLOTINHA – Foi tanta coisa!... Sim; disse-me que todos os dias lhe via da casa dela, de manhã e à tarde, na janela do seu quarto.

EDUARDO – É verdade.

CARLOTINHA – Mas que uma tarde, vindo aqui, mano não lhe deu uma palavra.

EDUARDO – E a razão disto não declarou?

CARLOTINHA – Ela ignora!

EDUARDO – Como!

CARLOTINHA – Procurou recordar-se das suas menores ações para ver se poderia ter dado causa à sua mudança; e não achou nada que devesse servir nem mesmo de pretexto.

EDUARDO – Com efeito! o fingimento chega a esse ponto!!

CARLOTINHA – É injusto, mano; aquele amor não se finge. Quando ela me recitou os versos que você lhe mandou...

EDUARDO – Eu... versos?

CARLOTINHA – Sim; uns versos em que a chamava de namoradeira, em que a ridicularizava.

EDUARDO – Mas não há tal, nunca lhe mandei versos!

CARLOTINHA – Ela os recebeu de Pedro; eu os vi, escritos por sua letra.

EDUARDO – Não é possível!

CARLOTINHA – Há nisto algum engano. Deixe-me acabar, depois verá.

EDUARDO – Eu te escuto.

CARLOTINHA – Os seus versos...

EDUARDO – Meus, não.

CARLOTINHA – Pois bem, os versos causaram-lhe uma dor mortal; conheceu que o mano escarnecia dela, e desde então passava as noites a chorar, e o dia a olhar entre as cortinas para ao menos ter o consolo de avistá-lo de longe e de relance. Mas você conservava fechada a única janela na qual ela podia vê-lo.

EDUARDO – Não sabes por quê? Um dia mandou-me dizer por Pedro que a minha curiosidade a incomodava. Desde então privei-me do prazer de olhá-la...

CARLOTINHA – É inexplicável!... Mas como lhe dizia, passaram-se dois meses; ela perdeu a esperança; seu pai tratou de casála. Desde que não podia lhe pertencer, pouco lhe importava o homem a quem a destinavam. Consentiu em tudo, mas antes de dar a sua promessa definitiva, quis vê-lo pela última vez.

EDUARDO – Para quê?

CARLOTINHA – Para quê?... O noivo foi hoje jantar em sua casa; aí às três horas devia decidir-se tudo... Pois bem, antes de dizer sim, ela veio e jurou-me, por sua mãe, que se encontrasse mano em casa, se mano a olhasse docemente, sem aquele olhar severo de outrora...

EDUARDO – Que faria?

CARLOTINHA – Não se casaria e viveria com essa única esperança de que um dia mano compreenderia o seu amor!

EDUARDO – Assim, como não me encontrou...

CARLOTINHA – Como você hão quis vê-la...

EDUARDO – Eu não quis?... É verdade!

CARLOTINHA – Quando o chamei, ela nos esperava toda trêmula.

EDUARDO – Podia eu saber? Podia conceber semelhante cousa à vista do que se passou! (Refletindo.) Não; não acredito.

CARLOTINHA – O quê?

EDUARDO – Que Pedro tenha maquinado semelhante coisa.

CARLOTINHA – E eu acredito.

EDUARDO – Vou saber disto! Porém, dize-me! Depois?

CARLOTINHA – Você saiu. Eu esperei muito tempo no seu quarto para ver se voltava. Tardou tanto, que por fim vi-me obrigada a desenganá-la.

EDUARDO – Então, ela voltou...

CARLOTINHA – Com o coração partido...

EDUARDO – E foi dar esse consentimento, que seu pai esperava. A esta hora é noiva de um homem que faz dela um objeto de especulação. (Passeia.)

CENA III

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Os mesmos, PEDRO

PEDRO – Sinhá velha está chamando nhanhã Carlotinha lá na sala.

CARLOTINHA – Para quê?

PEDRO – Para ver moleque de realejo que está passando. (A meia voz) Mentira só!

CARLOTINHA – O quê?

PEDRO – Boneco de realejo que está dançando!

CARLOTINHA – Ora, não estou para isso.

PEDRO – Umm!... menina está reinando. Nhanhá não vai?

CARLOTINHA – Que te importa? Chega aqui, quero saber uma cousa.

PEDRO – Que é, nhanhã?

CARLOTINHA – Mano, vamos perguntar-lhe?

EDUARDO – Deixa estar, eu pergunto! (Afasta-se com ela.) Escuta, queria pedir-te um favor.

CARLOTINHA – Fale, mano; precisa pedir?

EDUARDO – Desejo falar à Henriqueta. Podes fazer com que ela venha passar a noite contigo?

CARLOTINHA – Vou escrever-lhe! Estou quase certa de que ela vem!

EDUARDO – Obrigado!

CENA IV

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EDUARDO, PEDRO

EDUARDO – Vem cá!

PEDRO – Senhor!

EDUARDO – Responde-me a verdade.

PEDRO – Pedro não mente nunca.

EDUARDO – Que versos são uns que entregaste a D. Henriqueta, de minha parte?

PEDRO – Foram versos que senhor escreveu...

EDUARDO – Que eu escrevi?

PEDRO – Sim, senhor.

EDUARDO – A Henriqueta?

PEDRO – Não, senhor.

EDUARDO – A quem, então?

PEDRO – À viúva.

EDUARDO – Que viúva?

PEDRO – Essa que mora aqui adiante; mulher rica, do grande tom.

EDUARDO (rindo) – Ah! lembro-me! E tu levaste esses versos à Henriqueta?

PEDRO – Levei, sim, senhor.

EDUARDO – Com que fim, Pedro?

PEDRO – Sr. não se zanga, Pedro diz por que fez isso.

EDUARDO – Fala logo de uma vez. Que remédio tenho eu senão rir-me do que me sucede?

PEDRO – Sinhá Henriqueta é pobre; pai anda muito por baixo; senhor casando com ela não arranja nada! Moça gasta muito; todo

o dia vestido novo, camarote no teatro para ver aquela mulher que morre cantando, carro de aluguel na porta, vai passear na Rua do Ouvidor, quer comprar tudo que vê.

EDUARDO – Ora, não sabia que tinha um moralista desta força em casa!

PEDRO – Depois modista, costureira, homem da loja, cabeleireiro, cambista, cocheiro, ourives, tudo mandando a conta e senhor vexado: "Diz que não estou em casa", como faz aquele homem que mora defronte!

EDUARDO – Então foi para que eu não casasse pobre que fizeste tudo isto? Que inventaste o recado que me deste em nome de Henriqueta?...

PEDRO – Pedro tinha arranjado casamento bom; viúva rica, duzentos contos, quatro carros, duas parelhas, sala com tapete. Mas senhor estava enfeitiçado por sinhá Henriqueta e não queria saber de nada. Precisava trocar; Pedro trocou.

EDUARDO – O que é que trocaste?

PEDRO – Verso feio da viúva para sinhá Henriqueta; verso bonito de sinhá Henriqueta foi para a viúva.

EDUARDO – De maneira que estou com um casamento arranjado com uma correspondência amorosa e poética; e tudo isto graças à tua habilidade?

PEDRO – Negócio está pronto, sim senhor; é só querer. Pedro de vez em quando leva uma flor ou um verso que senhor deixa em cima da mesa. Já perguntou por que V.M.ce não vai visitar ela!

EDUARDO (rindo-se) – Eis um corretor de casamentos, que seria um achado precioso para certos indivíduos do meu conhecimento!

Vou tratar de vender-te a algum deles para que possas aproveitar o teu gênio industrioso.

PEDRO – Oh! Não! Pedro quer servir a meu senhor! V.M.ce perdoa; foi para ver senhor rico!

EDUARDO – E que lucras tu com isto! Sou tão pobre que te falte aquilo de que precisas? Não te trato mais como um amigo do que como um escravo?

PEDRO – Oh! Trata muito bem, mas Pedro queria que senhor tivesse muito dinheiro e comprasse carro bem bonito para.

EDUARDO – Para... Dize!

PEDRO – Para Pedro ser cocheiro de senhor!

EDUARDO – Então a razão única de tudo isto é o desejo que tens de ser cocheiro?

PEDRO – Sim, senhor!

EDUARDO (rindo-se) – Muito bem! Assim, pouco te importava que eu ficasse mal com uma pessoa que estimava; que me casasse com uma velha ridícula, contanto que governasses dois cavalos em um carro! Tens razão!... E eu ainda devo dar-me por muito feliz, que fosse esse o motivo que te obrigasse a trair a minha confiança.

CENA V

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PEDRO, CARLOTINHA

CARLOTINHA – Já escrevi! Ah! Mano não está!... Pedro!...

PEDRO – Nhanhã!

CARLOTINHA – Que fazes tu aí?

PEDRO – Oh! Pedro não está bom hoje, não; senhor está zangado.

CARLOTINHA – Por quê? Por causa de Henriqueta?

PEDRO – Sim. Pedro fez história de negro, enganou senhor. Mas hoje mesmo tudo fica direito.

CARLOTINHA – Que vais tu fazer? Melhor é que estejas sossegado.

PEDRO – Oh! Pedro sabe como há de arranjar este negócio. Nhanhã não se lembra, no teatro lírico, uma peça que se representa e que tem homem chamado Sr. Fígaro, que canta assim:

Tra-la-la-la-la-la-la-la-tra!!

Sono un barbiere di qualità!

Fare Ia barba per carità!...

CARLOTINHA (rindo-se) – Ah! O Barbeiro de Sevilha!

PEDRO – É isso mesmo. Esse barbeiro, Sr. Fígaro, homem fino mesmo, faz tanta cousa que arranja casamento de sinhá Rosinha com nhonhô Lindório. E velho doutor fica chupando no dedo, com aquele frade D. Basílio!

CARLOTINHA – Que queres tu dizer com isto?

PEDRO – Pedro tem manha muita, mais que Sr. Fígaro! Há de arranjar casamento de Sr. moço Eduardo com sinhá Henriqueta. Nhanhá não sabe aquela ária que canta sujeito que fala grosso? Cantando.) "La calunnia!..."

CARLOTINHA – Deixa-te de prosas!

PEDRO – Prosa, não; é verso! Verso italiano que se canta!

CARLOTINHA (rindo) – Tu também sabes italiano?

PEDRO – Ora! Quando Sr. moço era estudante e mandava levar ramo de flor à dançarina do teatro, aquela que tem perna de engonço, Pedro falava mesmo como patrício dela: Un fiore, signorina!

CARLOTINHA – Ah! Mano mandava flores a dançarinas... (A meia voz) E diz que amava a Henriqueta!

PEDRO – Ora, moço pode gostar de três moças ao mesmo tempo. Esse bicho que se chama amor, está nos olhos, nos ouvidos e no coração: moço gosta de mulher bonita só para ver, de mulher de teatro só para ouvir cantar e de mulher de casamento para pensar nela todo o dia!

CARLOTINHA – Não sejas tolo! A gente só deve gostar de uma pessoa! Aposto que o tal Sr. Alfredo é desses!

PEDRO – Qual! Sr. Alfredo é só de nhanhã; mas é preciso responder a ele.

CARLOTINHA – Já não te disse a resposta? Por que não deste?

PEDRO – Homem não gosta dessa resposta de boca, diz que é mentira. Gosta de papelinho para guardar na carteira, lembrando-se do anjinho que escreveu.

CARLOTINHA – Escrever, nunca; não tenho ânimo!...

PEDRO – Pois, olhe, nhanhã tira duas violetas; põe uma nos cabelos, manda outra a ele! Isto de flor!... Hum!... Faz cócegas no coração.

CARLOTINHA – Deste modo... sim... eu podia...

PEDRO – Então vá buscar a flor já! Pedro leva!

CARLOTINHA – Não, não quero!

PEDRO – Eu vou ver!

CARLOTINHA – Não é preciso! Eu tenho!...

PEDRO – Ah! Nhanhã já tem!

CARLOTINHA – Estão aqui. (No seio.)

PEDRO – Melhor! Dê cá, nhanhã.

CARLOTINHA – Mas olha!... Não!

PEDRO (tomando) – Hi!... Sr. Alfredo vai comer esta violeta de beijo só, quando souber que esteve no seio de nhanhã!

CARLOTINHA – Dá-me! Não quero!

CENA VI

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CARLOTINHA, EDUARDO

CARLOTINHA – Meu Deus! Ah! Mano!

EDUARDO – Já soube tudo, uma malignidade de Pedro. É a consequência de abrigarmos em nosso seio esses reptis venenosos, que quando menos esperamos nos mordem no coração! Mas, enfim, ainda se pode reparar. Escreveste a Henriqueta?

CARLOTINHA – Sim; a resposta não deve tardar!

EDUARDO – Tu és um anjo, Carlotinha!

CARLOTINHA – Como se engana, mano!

EDUARDO – Que queres dizer?

CARLOTINHA – Nada! Eu devia lhe contar! Mas...

EDUARDO – Tens alguma coisa a dizer-me? Por que não falas?

CARLOTINHA – Tenho medo!

EDUARDO – De teu irmão! Não tens razão!

CARLOTINHA – Mesmo por ser meu irmão, não gostará...

EDUARDO – Mais um motivo. Um irmão, Carlotinha, é para sua irmã menos do que uma mãe, porém mais do que um pai; tem menos ternura do que uma, e inspira menos respeito do que o outro. Quando Deus o colocou na família a par dessas almas puras e inocentes como a tua, deu-lhe uma missão bem delicada; ordenou-lhe que moderasse para sua irmã a excessiva austeridade de seu pai e a ternura muitas vezes exagerada de sua mãe; ele é homem e moço, conhece o mundo, porém também compreende o coração de uma menina, que é sempre um mito para os velhos já esquecidos de sua mocidade. Portanto, a quem melhor podes contar um segredo do que a mim?

CARLOTINHA – É verdade, suas palavras me decidem. Você é meu irmão, e o chefe da nossa família, desde que perdemos nosso pai. Devo dizer-lhe tudo; tem o direito de repreender-me!

EDUARDO – Cometeste alguma falta?

CARLOTINHA – Creio que sim. Uma falta bem grave!

EDUARDO – Minha irmã... Acaso terás esquecido!...

CARLOTINHA – Oh! Se toma esse ar severo, não terei ânimo de dizer-lhe!

EDUARDO (com esforço) – Estou calmo, mana, não vês? Fala!

CARLOTINHA – Sim ! Sim! É que me custa a dizer!... Não faz ideia!

EDUARDO – Vamos! Coragem!

CARLOTINHA – Conhece um moço, que às vezes lhe vem procurar... chama-se Alfredo!...

EDUARDO – Que tem!...

CARLOTINHA – Pois esse moço... ama-me, e...

EDUARDO – E que fizeste?

CARLOTINHA (atirando-se ao peito de EDUARDO) – Mandei-lhe uma flor!... Mas uma só!

EDUARDO – Ah! Assim é esta a falta que cometeste? A primeira e a única!

CARLOTINHA – Não!... Devo dizer-lhe tudo! Li esta carta. Tome, ela queima-me o seio.

EDUARDO (lendo) – Quem te entregou?

CARLOTINHA – Pedro deitou no meu bolso sem que o percebesse.

EDUARDO – Oh! Eu adivinhava! E respondeste?

CARLOTINHA – Pois a violeta foi a resposta! Não queria dar. Mas lembrei-me que assim como Henriqueta lhe amava, também eu podia amá-lo!...

EDUARDO – Tens razão, minha irmã. Cometeste uma falta, mas te arrependeste a tempo. Não te envergonhes disto; és moça e inexperiente, a culpa foi minha, e minha só.

CARLOTINHA – Sua, mano! Como?

EDUARDO – Eu te digo: acabas de dar-me uma prova do teu discernimento; o que vou dizer-te será uma lição. Os moços, ainda os mais tímidos como eu, minha irmã, sentem quando entram na vida uma necessidade de gozar desses amores que duram alguns dias e que passam deixando o desgosto n'alma! Eu fui fascinado pela mesma miragem; depois quis esquecer Henriqueta e procurei nos olhares e nos sorrisos das mulheres um bálsamo para o que eu sofria. Ilusão! O amor vivia, e nas minhas extravagâncias o que eu esquecia é que tinha uma irmã inocente confiada à minha guarda. Imprudente eu abrigava no seio de minha família, no meu lar doméstico, a testemunha e o mensageiro de minhas loucuras: alimentava o verme que podia crestar a flor de tua alma. Sim, minha irmã! Tu cometeste uma falta; eu cometi um crime!

CARLOTINHA – Não se acuse, mano; é severo demais para uma coisa que ordinariamente fazem os moços na sua idade!

EDUARDO – Porque não refletem!... Se eles conhecessem o fel que encobrem essas rosas do prazer deixá-las-iam murchar, sem sentir-lhes o perfume! Há certos objetos tão sagrados que não se devem manchar nem mesmo com a sombra de um mau exemplo! A reputação de uma moça é um deles. O homem que tem uma família está obrigado a respeitar em todas as mulheres a inocência de sua irmã, a honra de sua esposa e a virtude de sua mãe. Ninguém deve dar direito a que suas ações justifiquem uma suspeita ou uma calúnia.

CARLOTINHA – Está bom, não vá agora ficar triste e pensativo por isso. Já lhe disse tudo, já lhe dei a carta; prometo-lhe não pensar mais nele. Duvida de mim?

EDUARDO – Não. Agradeço a tua confiança e acredita que saberei usar dela. Já volto.

CARLOTINHA – Que vai fazer?

EDUARDO – Escrever uma carta; ou antes, responder à que recebeste.

CARLOTINHA – Como, Eduardo!

EDUARDO – Logo saberás.

CARLOTINHA – Mas não se zangue com ele; sim?

EDUARDO – Tranquiliza-te; ele te interessa, é um título para que eu o respeite.

CENA VII

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CARLOTINHA, HENRIQUETA

HENRIQUETA (fora) – Carlotinha!...

CARLOTINHA – Henriqueta! – Ah! Eu te esperava!

HENRIQUETA – E tinhas razão... Mas antes de tudo... É verdade?... O que me escreveste?

CARLOTINHA – Sim; ele te ama e te amou sempre! Um engano, uma fatalidade...

HENRIQUETA – Bem cruel!... Eu perdoaria de bom grado à sorte todas as minhas lágrimas, mas não lhe perdoo o fazer-me mulher de outro!

CARLOTINHA – Então, está decidido!

HENRIQUETA – Eu não te disse! Sou sua noiva! Meu pai deu-lhe a sua palavra. Ele me acompanha já com direito de senhor. Por sua causa estive quase não vindo...

CARLOTINHA – Como assim? Ele recusaria...

HENRIQUETA – Não; mas meu pai convidou-o para acompanhar-nos, e eu lembrei-me que Eduardo sofreria tanto vendo-me junto desse homem, que um momento fiquei indecisa!

CARLOTINHA – Por quê? Ele sabe que tu não o amas.

HENRIQUETA – Não importa.

CARLOTINHA – Mas enfim vieste. Fizeste bem!

HENRIQUETA – Não sei se fiz bem. Fui arrastada! Creio que aos pés do altar, se ele me chamasse, eu ainda me voltaria para dizer-lhe, enquanto sou livre, que o amo e que só amarei a ele!

CENA VIII

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Os mesmos, VASCONCELOS, D. MARIA, AZEVEDO

VASCONCELOS – Onde está o nosso Doutor? Não há mais quem o veja.

CARLOTINHA – Subiu ao seu quarto, já volta.

VASCONCELOS – Oh! D. Carlotinha! Como está?!... Apresento-lhe meu genro. O Sr. Azevedo. (A AZEVEDO) É a mais íntima amiga de Henriqueta.

AZEVEDO – E eu o mais íntimo amigo de seu irmão! Há, portanto, dois motivos bastante fortes para o meu respeito e consideração.

CARLOTINHA – Muito obrigada! (A HENRIQUETA) Vai-te sentar; estás toda trêmula!

HENRIQUETA (baixo) – E ele, por que não vem?

CARLOTINHA – Não tarda! (Afastam-se.)

VASCONCELOS (a D. MARIA) – Parece-me um excelente moço, e estou certo que há de fazer a felicidade de minha filha.

D. MARIA – É o que desejo; tenho muita amizade à sua menina e estimo que seu marido reúna todas as qualidades.

VASCONCELOS – Para mim, se quer que lhe diga a verdade, só lhe noto um pequeno defeito.

D. MARIA – Qual? É jogador?

VASCONCELOS – Não; o jogo já não é um defeito, segundo dizem; tornou-se um divertimento de bom-tom. O que noto em meu genro, e que desejo corrigir-lhe, é o mau costume de falar metade em francês e metade em português, de modo que ninguém o pode entender!

D. MARIA – Ah! Não observei ainda!

VASCONCELOS – É uma mania que eles trazem de Paris e que os torna sofrivelmente ridículos. Mas não se querem convencer!

AZEVEDO – Tem um belo jardim, minha senhora, um verdadeiro bosquet. Oh! c'est charmant! Não perdoo, porém, a meu amigo Eduardo não ter aproveitado para fazer um kiosque. Ficaria magnífico!

VASCONCELOS – Então, entendeu?

D. MARIA – Não, absolutamente nada!

VASCONCELOS – O mesmo me sucede! Tanto que às vezes ainda duvido que realmente ele me tenha pedido a mão de Henriqueta!

D. MARIA – Ora! É demais! (Sobem.)

AZEVEDO (a CARLOTINHA) – Aqui passa V. Ex.a naturalmente as tardes, conversando com as suas flores, em doce e suave réverie!

CARLOTINHA – Não tenho o costume de sonhar acordada; isso é bom para as naturezas poéticas.

AZEVEDO – Les hommes sont poètes; les femmes sont la poésie, disse um distinto escritor. Oh! Eis a flor clássica da beleza.

CARLOTINHA – A camélia?

AZEVEDO – Sim, a camélia é hoje, em Paris, mais do que uma simples flor; é uma condecoração que a moda, verdadeira soberana, dá à mulher elegante.

CARLOTINHA – Parece-me que uma senhora não precisa de outro distintivo além de suas maneiras e de sua graça natural. Que dizes, Henriqueta?

HENRIQUETA – Tens razão, Carlotinha; não é o enfeite que faz a mulher; é a mulher que faz o enfeite, que lhe dá a expressão e o reflexo de sua beleza.

AZEVEDO – Teorias!... Fumées d'esprit... (A CARLOTINHA) Mas, minha senhora, disse há pouco que se podia fazer deste jardim um paraíso!

CARLOTINHA – Como? Diga-me; quero executar perfeitamente o seu plano.

AZEVEDO – Com muito gosto. Vou traçar-lhe em miniatura o jardim de minha casa; de nossa casa, D. Henriqueta.

CARLOTINHA (a HENRIQUETA) – Deixo-te só! (Dá o braço a AZEVEDO.)

AZEVEDO – Aqui un jet d'eau. À noite é de um efeito maravilhoso! Além de que espalha uma frescura! (Afastam-se.)

CENA IX

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Os mesmos, HENRIQUETA, EDUARDO, VASCONCELOS. D. MARIA

EDUARDO – D. Henriqueta!

HENRIQUETA – Ah!... Sr. Eduardo!

VASCONCELOS – Como está? Eu não passo bem das minhas enxaquecas!

D. MARIA – É do tempo!

VASCONCELOS – Qual, D. Maria! Moléstia de velho! Onde está ele? (A EDUARDO) Quero apresentar-lhe meu futuro genro.

EDUARDO – Conheço-o; é um dos meus camaradas de colégio!

VASCONCELOS – Ah! Estimo muito. (A D. MARIA) Eu cá não tenho camaradas de colégio; mas tenho os de fogo! Na guerra da Independência...

AZEVEDO (voltando) – Acabo de dar um passeio pelos Campos Elíseos!

CARLOTINHA – Na imaginação... É lisonjeiro para mim!

EDUARDO – Boa-tarde, Azevedo!

HENRIQUETA (a CARLOTINHA) – Ah! Nunca esperei!

CARLOTINHA – O quê?

HENRIQUETA – Tu me iludiste!

AZEVEDO – Participo-te, meu caro, que tens uma irmã encantadora. Estou realmente fascinado. A sua conversa é uma gerbe de graça; uma fusée de ditos espirituosos!

EDUARDO – Admira! Pois nunca foi a Paris, nem está habituada a conversar com os moços elegantes!.

AZEVEDO – É realmente étonnant!

VASCONCELOS – Ora, meu genro, se o Sr. continua a falar desta maneira, obriga-me a trazer no bolso daqui em diante um dicionário de Fonseca.

AZEVEDO – Os estrangeiros têm razão! Estamos ainda muito atrasados no Brasil!

D. MARIA – Entremos, é quase noite!