JOANA d’Arc

A figura da jovem francesa Joana d’Arc (1412–1431), como outras personagens que se tornaram lendárias, vem sendo continuamente lembrada no imaginário popular a partir de fatos históricos. Nasceu em Domrêmy, na região da Lorraine, filha devota de camponeses, quando a França estava desmembrada, enfraquecida por lutas internas e contra a Inglaterra invasora. Narram seus biógrafos que, aos 13 anos, a menina ouviu "vozes divinas" que lhe ordenaram de salvar Orléans, sitiada pelos ingleses. Aos 17 anos, começa sua aventura de guerreira e de mártir, condensada nos últimos dois anos de sua vida. Após várias insistências, conseguiu autorização para viajar e encontrar-se com o rei Carlos VII, que estava escondido em Reims. Convenceu o soberano da sua missão divina e vestiu uma armadura com o estandarte "Jhesus Maria", passando a chefiar o último exército francês. Derrotou as tropas anglo-borgonhesas e adentrou a cidade de Orléans. Carlos VII foi consagrado Rei da França em Reims, no mesmo ano de 1429. A luta para a libertação total da França continuou. Joana obteve outras vitórias, mas foi ferida em Paris. Capturada e vendida aos ingleses por 10.000 escudos, foi submetida a um longo processo, acusada de heresia (por vestir roupas masculinas!) e condenada pelo Tribunal da Inquisição, sendo queimada viva na praça do mercado, em Rouen, em 30 de maio de 1431. Sua imagem foi reabilitada e inocentada, ao longo da história da França, sendo santificada em 1920. O mito da "virgem guerreira", da "salvadora da pátria", da "vítima inocente" passa a povoar o imaginário artístico de poetas, dramaturgos e músicos. Com exceção do irreverente Voltaire que, na sua Pucelle d’Orléans, desfigura a personagem para atacar a Igreja Católica de uma forma libertina, todos os que se servem do tema exaltam a figura extraordinária da jovem francesa. O poeta alemão Schiller faz de A Donzela de Orléans (1800) uma tragédia romântica. Mas quem valoriza de uma forma definitiva a imagem da heroína francesa é o grande historiador Michelet que, no vol. V da sua Histoire de France, dá um espaço enorme à libertadora de Orléans. Devido ao sucesso da história da heroína, em 1853, o tomo é reeditado separadamente com o título Jeanne d’Arc. Nele Michelet aponta os principais temas que envolvem sua figura:

1) o amor à pátria;

2) a liberdade de pensamento (o direito de sentir "as vozes" dentro de si);

3) a renovação da Paixão de Cristo: o sacrifício de Joana para libertar a França é comparado ao sofrimento de Jesus para redimir a humanidade. Outro grande estudioso da heroína francesa é Jules Quicherat que, nos cinco volumes dos Processos (1841–1849), põe ênfase no drama do "erro judiciário". Ele demonstra que todas as acusações contra Joana d’Arc eram infundadas e ela foi vítima de juízes inescrupulosos. O escritor irlandês George Bernard Shaw (Saint Joan, 1923) apresenta uma tese nova e muito interessante: Joana d’Arc, além de ser uma apóstola do Nacionalismo, ela seria também uma precursora do Protestantismo. Prenunciando a vinda de Lutero, ela é uma vítima da luta pela afirmação do juízo individual contra o magistério e o julgamento absolutista da Igreja de Roma. Mas a grande popularidade da figura de Joana d’Arc deve-se, sem dúvida, à arte cinematográfica. Ela inspirou cerca de vinte filmes, entre os quais destacamos A Paixão de Joana d’Arc (1928), de Carl Dreyer, uma obra-prima do cinema mudo, e Procès de Jeanne d’Arc (1962), de Robert Bresson. Nas duas películas aflora a vida interior da santa-heroína, envolta numa auréola de misticismo.