LOUCURA (Elogio da Loucura; O Alienista; Diário de um Louco)
"O extremo limite da sabedoria
é o que as pessoas chamam de loucura"
(Jean Cocteau)
M. Foucault, na sua História da Loucura (1961), ensina que somente no final do séc. XVIII a loucura começou a ser tratada como uma doença mental. A problemática do homem que age de uma forma insensata, contrária às regras sociais e morais, acompanha o homem ao longo da sua história; mas antes não se tinham estudado as causas da maluquice. Na Idade Média (→ Medievalismo), um ser extravagante era tido como possesso pelo demônio, considerado herege ou bruxo e condenado à fogueira (→ Joana d’Arc). No Renascimento, Erasmo de Rotterdam, no seu Elogio da Loucura (1511), considera a anomalia como o estado de espírito do homem que queria fugir da monotonia da vida cotidiana, encontrando no devaneio um "condimento" ou antídoto. "A pior loucura – dizia ele – é ser sábio num mundo de loucos". Quando a doidice se tornava perigosa à sociedade, o alienado era posto num asilo. Apenas no início do séc. XX, com o avanço das teorias psicanalíticas sobre o inconsciente (→ Freud), a loucura começou a ser tratada como uma doença provocada por traumas da infância. Hoje em dia, há uma área da medicina que trata especificamente das doenças mentais, a Psiquiatria, pois se chegou à compreensão de que existem distúrbios que afetam a alma, assim como há doenças que fazem sofrer o corpo, havendo relações muito profundas entre os dois campos de patologia. A manifestação psicótica, que cria uma ruptura ou uma inadaptação do indivíduo com a família e a sociedade, pode ser de origem genética, física ou ambiental. Com a loucura estão relacionadas neuroses e psicoses, a mais comum sendo a maníaco-depressiva, que é uma doença afetiva. A verdade é que é muito difícil estabelecer o limite entre a loucura e o estado da razão. Machado de Assis, no seu famoso conto O Alienista, retrata este tema com fina ironia. Simão Bacamarte, médico de Itaguaí, resolve dedicar-se a pesquisas psiquiátricas e funda um hospício para cuidar dos dementes, a "Casa Verde". Partindo do princípio de que qualquer atitude que foge da normalidade é sinal de loucura, começa a internar na sua clínica todos os cidadãos portadores de defeitos psíquicos. Mas, em breve tempo, esvazia-se a cidade e lota-se o hospício, pois a maioria sofre de desequilíbrio emocional. Verifica-se, assim, a figura retórica que Aristóteles chama de "peripécia": a ação consegue um resultado contrário do esperado, porque o médico constata que a quase totalidade do povo sofre de loucura. Ora, se o sintoma da demência é a anormalidade e é a maioria que fornece o parâmetro da regra, a dedução lógica é que a verdade está no contrário de sua teoria. Simão Bacamarte passa, então, coerentemente, a considerar loucas as poucas pessoas equilibradas, porque fogem da normalidade que sofre de desequilíbrio emocional. Liberta, pois, a maioria e submete a minoria a um tratamento intensivo com a finalidade de conseguir que cada um, segundo sua tendência natural, pratique um vício ou uma fraqueza, que o equipare à maioria. Em pouco tempo, esta minoria é sarada, porque não é difícil conseguir a prática da vaidade, da ira, da luxúria etc. Outra vez vazio o hospício, o protagonista interna no manicômio a si próprio, único exemplar irredutível de equilíbrio emocional. Dá-se, assim, outra peripécia, desta vez ao nível da caracterização das personagens e da inversão dos valores ideológicos: o médico se torna paciente e os que ele reputava doidos lhe ensinam que a loucura reside em querer que os homens, vítimas de uma série de limitações biológicas e sociais, sejam imunes de paixões e de contradições. A alienação é, portanto, um fenômeno mais coletivo do que individual. Contraditoriamente, é a lucidez mental sintoma de loucura, pois faz com que o homem, na tentativa de ser autêntico e coerente com os postulados ideológicos, se isole da maioria que vive segundo a opinião, o parecer. Este conto machadiano expressa, em forma de arte, uma profunda verdade existencial: o homem verdadeiramente lúcido é um louco, porque é anormal.
Diferentemente da doença patológica, que deve ser submetida a um tratamento por via de remédios, eletrochoques ou psicoterapias, há a "loucura" consciente das pessoas que se recusam a viver conforme as convenções sociais e morais. São os homens mais lúcidos, geralmente poetas, artistas e até cientistas ("cada gênio com a sua mania"!), que contestam valores que cultuamos automática e inconscientemente e que, por serem falsos e aleatórios, não podem nos dar felicidade. O conteúdo do conto machadiano vem sendo corroborado por recentes pesquisas médicas, confirmando o fato de que a arte chega antes do que a ciência na descoberta de verdades existenciais. Confirmando o achado do poeta da MPB, Caetano Veloso, que canta "de perto ninguém é normal", estudiosos do Laboratório de psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, em 2004, testando um medicamento antidepressivo, verificaram com base estatística que quase 80% dos entrevistados apresentavam transtornos psíquicos. A conclusão da pesquisa foi de que "o normal é não ser normal"! Outra obra ficcional, Diário de um Louco, do escritor russo Gogol, enfrenta o mesmo tema da esquizofrenia, de que é vítima um humilde funcionário público. A loucura é confundida com o demônio, pois a natureza diabólica, segundo Gogol, consiste no esmagamento do indivíduo por um sistema social opressivo e degradante. O homem, então, só consegue sentir-se importante num estado de alucinação, que o aliena do real. Este conto foi adaptado para o teatro francês e encenado também no Brasil. Já o sábio romano Sêneca observara que "ainda não houve homem de gênio extraordinário sem algo de louco", a que faz coro o escritor francês Marcel Proust, pondo em evidência a importância da loucura na história da humanidade:
"Tudo de grande que conhecemos veio dos neuróticos...
O mundo nunca tomará consciência do quanto deve a eles,
e nem, acima de tudo, do quanto eles sofreram
a fim de outorgarem suas dádivas ao mundo".