Dicionário de Cultura Básica/Medievalismo

MEDIEVALISMO (Idade Média: feudalismo, trovadorismo, gótico, cavalaria)

Do latim medium aevum ("idade"), essa Era é chamada de "média" no sentido de "mediana" ou "medianeira", porque marca a transição entre a Idade Antiga, constituída pela cultura greco-romana e a Idade Moderna, que inicia com o Renascimento italiano. Ocupa quase um milênio: do séc. V ao XV. A data de início, que serve apenas como baliza, é o ano de 476 d.C., quando se deu a deposição do último imperador de Roma, acontecendo, então, o fim do Império Romano do Ocidente. De outro lado, a data que baliza o fim da Idade Média é 1453, quando, com a tomada de Constantinopla (→ Helenismo) pelos turcos muçulmanos, aconteceu a queda do Império Romano do Oriente. Ao longo dos tempos, a Era Medieval adquiriu um sentido depreciativo, chamada de época das trevas ou do obscurantismo, devido ao atraso dos costumes sociais e morais. Mas, do ponto de vista cultural, tal conceito crítico é uma aberrante injustiça, se se reparar que, nessa época, viveram gênios da criação poética, da produção artística e do pensamento reflexivo, tais como Petrarca, Dante, Boccaccio, Tomás de Aquino, entre outros, sem falar dos trovadores provençais (→ Trovadorismo), dos rapsodos dos cantos épicos (→ Épica), dos escritores de romances de Cavalaria (→ Graal).

Para evitar esse juízo crítico injusto, os estudiosos distinguem duas fases da Idade Média: uma primeira, chamada de Alta (no sentido de estar mais afastada de nós), que vai do século V ao XI; e uma segunda, a Baixa Idade Média, do século XI ao XV. Apenas ao primeiro período cabe o atributo de época das trevas. Com efeito, é triste a constatação de que, ao longo de quase seis séculos, a Europa viveu estagnada, culturalmente quase paralisada, sem nenhuma produção relevante no campo das ciências e das artes. Observe-se que, com exceção do imperador francês Carlos Magno, que teve uma importância apenas histórica, sendo inclusive analfabeta, não conhecemos nenhum nome ilustre dessa época, com relação às letras, às artes, ao pensamento reflexivo, às ciências naturais ou exatas, aos esportes. O atraso cultural dessa primeira fase da Idade Média é devido a vários fatores de ordem histórica, lingüística, social e religiosa. Com as invasões barbáricas e a conseqüente queda do Império Romano do Ocidente, a civilização greco-romana chega ao fim e um novo ciclo cultural se inicia para a Europa. A educação torna-se quase exclusividade dos clérigos e os mosteiros são os únicos centros de cultura filosófica e teológica. O ensino laico e humanístico é prejudicado pela passagem da economia citadina para a economia agrária (a vida das grandes cidades é substituída pela vida dos castelos e dos burgos) e pela força do ensino religioso, que projeta a felicidade humana no mundo ultraterreno. O fator que mais concorreu para o isolamento econômico e cultural da Europa, na Alta Idade Média, foi a irrupção do Islamismo (Maomé). As invasões muçulmanas na Europa, a partir do século VII, determinaram o rompimento das relações comerciais entre os portos da Espanha e da França e os portos da África, do sul da Itália e de outras regiões do Mediterrâneo. Em verdade, o medo de enfrentar os mouros no mar manteve a Europa bloqueada até meados do século XI, época da primeira Cruzada.

Por causa disso, desapareceu o comércio no Ocidente e a Europa voltou à economia exclusivamente agrícola. O sistema de vida feudal, centrado sobre a vassalagem, que constituía a hierarquia da servidão, foi conseqüência desta civilização rural. Desaparecendo o mercado externo e inexistindo a indústria, o sistema econômico tinha como base o latifúndio, pois o cultivo da terra era o único meio de sobrevivência para os "vilões", a massa do povo que vivia nas vilas perto dos castelos. Os donos das terras eram nobres, clérigos, cavaleiros, que viviam explorando a mão de obra gratuita. Os principais mercadores eram os judeus, eternos viajantes, que arriscavam a vida para comercializar especiarias e fazendas entre os povos do Ocidente e do Oriente. Devido a essas condições sociais e, principalmente, ao vazio lingüístico que ocorreu durante a transição da língua latina para as diferentes línguas românicas, a produção literária é quase nula, pois não há cultura sem uma língua escrita. E, na Alta Idade Média, a língua que era escrita (o latim) não era falada e a língua que era falada (os dialetos regionais) não era escrita. Com efeito, a partir do século V, cessando a força centralizadora do Império Romano, as antigas colônias da Gália, da Germânia, da Bretanha e de outras regiões da Europa começaram o longo processo de emancipação lingüística, política e cultural, que culminou na formação das várias nacionalidades européias. A língua latina, que permanecera como idioma oficial da Igreja e das instituições públicas, começou a ceder o lugar aos dialetos regionais, que vinham se afirmando e se diferenciando por força do substrato lingüístico (dialetos locais, anteriores à imposição da língua latina) e do superestrato lingüístico (os dialetos dos bárbaros e dos mouros após o fim do Império Romano).

Somente após a virada do milênio a Europa conseguiu reverter os fatores negativos apontados, iniciando um gradativo processo de evolução, que a levará a um verdadeiro Renascimento cultural. Junto com a passagem da oralidade para a escrita das várias línguas européias (italiana, francesa, castelhana, galega, portuguesa, romena, inglesa, germânica), que possibilitou o início da formação das diferentes nacionalidades, a partir do século XI, o fenômeno histórico mais decisivo, para tirar a Europa do atraso cultural, foram as Cruzadas. As lutas entre cristãos e mouros, pela posse da cidade de Jerusalém, muito mais do que o fim religioso de libertar o Sepulcro de Cristo das mãos dos árabes infiéis, tiveram como conseqüência o restabelecimento do comércio na bacia do Mediterrâneo. O contato com os países de cultura bizantina e muçulmana tirou a Europa do isolamento, estimulando o intercâmbio de bens materiais e espirituais.

Os valores estéticos e ideológicos da Idade Média

O complexo cultural da Idade Média é dominado pela doutrina cristã, que substitui o politeísmo pagão por um monoteísmo espiritualista. O Teocentrismo transcendental desloca o eixo dos interesses existenciais da terra para o céu, considerando a vida terrena apenas como uma passagem, um momento transitório em que o homem deve adquirir créditos para uma futura vida feliz na contemplação eterna da beleza divina. Nessa perspectiva, o homem tem que renunciar a todos os prazeres da vida, pois quanto mais sacrifica seu corpo mais enriquece sua alma. Como está escrito no Evangelho,

"felizes os que sofrem porque deles será o reino do céu!"
É importante notar que o Cristianismo (Cristo) introduziu o conceito de "pecado" no sentido mais amplo, que inclui até o pecado de pensamento, preconceito completamente estranho à moral aberta da cultura greco-romana. Tal complexo ideológico passa a condicionar também a atividade artística, que adquire um fim essencialmente didático: pelo uso de símbolos, a arte tem que ajudar a compreender postulados transcendentais como a imortalidade da alma, a necessidade do castigo (→ Inferno) e do prêmio (→ Paraíso) após a morte, além de fornecer a representação plástica de vícios e virtudes. Se considerarmos que, com exceção de poucos nobres e dos clérigos, a grande massa do povo medieval era completamente analfabeta, é fácil entender por que os ícones, os símbolos e as alegorias tornaram-se as formas de linguagem mais utilizadas nessa época. A necessidade de apresentar plasticamente o que é abstrato leva ao uso de vários tipos de "personificação". Assim, o homem medieval fala de Dona Filosofia, Dona Vitória, Dona Quaresma; faz grande uso de provérbios, máximas, fábulas, exemplos, casuísmos, contos moralizantes. Não é sem razão que a obra literária mais significativa da Idade Média, A Divina Comédia (→ Dante), seja classificada como um poema "didático-alegórico". A sociedade medieval, da mesma forma que outras sociedades primitivas ou folclóricas, não conhece uma precisa diferenciação das funções humanas: a função prática, científica, mágico-religiosa e estética se confundem. O aspecto profundamente utilitário da arte na Idade Média foi intuído pelo filósofo Tomás de Aquino quando afirmou que
pulchrum et bonum convertuntur:

a beleza e a bondade de uma coisa são fundamentalmente idênticas, porque um objeto só pode ser belo se se adaptar perfeitamente ao fim para o qual foi feito. A prevalência do fator estético na arte, não sendo um postulado prático, mas apenas teórico, nem sequer foi questionado pelo homem medieval, cuja preocupação fundamental era a salvação da alma. A Idade Média foi uma época de paixões violentas. O sentimento religioso, levado ao paroxismo, deságua muitas vezes no misticismo, na superstição, no fetichismo, na magia, na bruxaria. Falta ao homem medieval o sentido do equilíbrio, da medida, do bom senso. Não existe meio-termo: o homem é anjo ou demônio. Não é sem motivo que o Maniqueísmo, doutrina do filósofo persa Mani, do séc. III d.C., embora condenado pela Igreja, teve tanto sucesso nessa época. Os dois princípios primordiais do Universo, Deus (→ Religião), personificação do bem absoluto, e o Diabo (→ Satã), personificação do mal, antagônicos e irredutíveis, tornam-se os arquétipos do comportamento humano. Como os mitos gregos de Apolo e de Dionísio ou os personagens bíblicos de Abel e Caim, o bem e o mal são abstrações dos dois elementos estruturais da personalidade humana que Freud descreveu como o superego (a força das injunções sociais) e o íd (a força do instinto individual). Na época medieval, esses dois elementos, identificados no corpo (essência do mal) e na alma (essência do bem), não encontram nenhum ponto de equilíbrio, permanecendo em luta constante. Tais valores estéticos e ideológicos são encontráveis nas melhores obras culturais produzidas na Baixa Idade Média, especialmente no campo da Literatura e das Artes. Apresentamos uma síntese, remetendo a verbetes específicos os autores e as obras mais expressivas.

A Literatura da segunda fase medieval nos legou textos narrativos e líricos de rara beleza. Pertencem ao romance de cavalaria A Demanda do Santo Graal e o Amadis de Gaula; ao conto satírico o Decameron, do florentino Boccaccio, e os Contos de Canterbury, do inglês Chaucer; à poesia épica as epopéias de quatro nacionalidades européias: La chanson de Roland, a obra central do ciclo carolíngio da França, El Cantar de mio Cid, da Espanha, Os Nibelungos, da Alemanha, e a Divina Comédia, do italiano Dante Alighieri. Quanto ao gênero lírico, a Baixa Idade Média apresenta três foci principais de irradiação poética: 1) o Sul da França, especialmente a região da Provença, onde se falavava a langue d’ocTrovadorismo; 2) a Península ibérica com os cantares de amigo e de amor dos trovadores galego-portugueses; 3) a região de Florença, na Itália, onde se desenvolveu a escola poética do "dolce stil nuovo" → Dante e Petrarca. Nas Artes plásticas, a contribuição da Baixa Idade Média para a cultura européia foi muito relevante na → Pintura e na → Arquitetura.