O teatro representa o salão do Teatro Lírico. É noite. Diversos indivíduos, a maior parte mascarados, percorrem a cena.

CENA I

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BARÃO DA COVA DA ONÇA e LUÍS


LUÍS (Vestido com um dominó e disfarçando a voz.) - Excelentíssimo, a sua cozinha deve estar completamente despovoada.

BARÃO - Parece que o meu baronato está lhe incomodando muito! Pois faça o mesmo. É preciso que cada cidadão pague, como pode, o tributo à pátria. Uns derramam o sangue em sua defesa, outros dão planos de campanha pelas esquinas e os mais sensatos, como eu, alcançam um título que os enobrece do dia para a noite, mandando para a guerra alguns representantes do elemento servil.

LUÍS - Que franqueza, meu caro comendador... Desculpe-me... senhor barão...

BARÃO - Da Cova da Onça, se me faz favor, e com grandeza. Mas quem é o senhor ou a senhora que está a incomodar-me desde o princípio da noite?

LUÍS - Pois ainda não me conheceu?

BARÃO - É boa! Como quer que o conheça, debaixo de uma máscara e com esta voz de apito!

LUÍS (Tirando a máscara cautelosamente.) - Olhe.

BARÃO - Luís! O que vieste aqui fazer?

LUÍS - Ora que pergunta, meu amigo! Não contraí para comigo o compromisso de atirar-me no seio dos prazeres, já que a vida de chefe de família exemplar não me garantia a paz e a tranqüilidade a que tinha direito?!

BARÃO - Não foi este o pacto que fizemos. Há três dias, Luís, que não me apareces em casa e a sociedade começa já a murmurar contra teu procedimento.

LUÍS - Que me importa a sociedade? Não passo eu aos olhos do mundo, como um algoz, quando tenho sido até aqui um verdadeiro mártir? É preciso tirar a minha desforra, gozando das regalias do papel que me querem atribuir.

BARÃO - Imprudente que fui! Eu devia prever este desfecho; mas o que eu não previa era que teu sogro, o tipo da circunspecção e da sisudez, se lançasse também de corpo e alma nesse labirinto, que é o inferno das algibeiras e a morte do coração.

LUÍS - Não creio.

BARÃO - É infelizmente a verdade. Há dias que o não vejo...

LUÍS - Está sem dúvida empenhado em uma botica, nalguma partida complicada de gamão.

BARÃO - Ontem foi encontrado no Rocambole, ceando com duas estrelas parisienses.

LUÍS (Rindo-se.) - É engraçado! Eu dava a parte que me há de tocar no Paraíso para ver o Senhor Fortunato Arruda nesses apuros. (Arremedando-o.) Senhora, isto não vai a matar. (Ri-se às gargalhadas.)

BARÃO - Escuta, Luís.

LUÍS - Estamos em um baile mascarado, barão. (Ouve-se tocar uma quadrilha.) A quadrilha me chama e um lindo tity, vaporoso com uma Valquíria, espera-me lá embaixo. (Põe a máscara.) Adeus! (Saem os dois.)

CENA II

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SANTA RITA, FELISBERTA e TRÊS CHICARDS


1º CHICARD - É um princez!

2º CHICARD - Desgarrou-se sem dúvida de algum Zé-Pereira. Diga-nos alguma coisa de espírito. (Com voz fina.) Você me conhece?

SANTA RITA (Vestido de príncipe, dando o braço a Felisberta vestida de pastora.) - Os senhores não me façam subir a mostarda ao nariz.

2º CHICARD - Vejam aquele porte! Quem não dirá que está ali um carroceiro?

1º CHICARD - É pena que não esteja vestido de capim.

SANTA RITA - Nessa não caía eu: os senhores comiam-me o vestuário. (Riem-se os três às gargalhadas.)

3º CHICARI) - Meus senhores: fato nunca visto nos anais do carnaval - um princez com espírito!

2º CHICARD (Dando uma encapelação em Santa Rita.) - Eu te saúdo!

SANTA RITA - Olhe, que os senhores não sabem com quem se metem.

FELISBERTA - Vamos embora.

1º CHICARD (Segurando no rosto de Felisberta.) - Gentil pastora!

SANTA RITA - Arrede-se para lá; não me toque na fazenda. Olhe que isto aqui não é mungugu, hein?

2º CHICARD (Olhando para outro mascarado que passa.) - Lá está outro. A ele, rapaziada. (saem os três chicards e atropelam o indivíduo, depois do que retiram-se da cena.)

CENA III

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SANTA RITA e FELISBERTA


SANTA RITA - Eu bem te dizia que não devíamos sair do Pavilhão.

FELISBERTA - Também não sei por que todo o mundo há de implicar conosco.

SANTA RITA - Não é por causa do vestuário: foi o que encontrei de mais rico no Guedes. Se eu me apanho contigo agora na Bahia... Que vistão, hem, Felisberta?!...

FELISBERTA - Qual vistão, nem pera vistão! Eu creio que estamos representando um papel muito ridículo.

SANTA RITA - Felisberta, um baiano não representa papel ridículo em parte alguma.

FELISBERTA - Ainda não pudeste conhecer quem é aquele sujeito de nariz de papelão, que anda atrás de mim?

SANTA RITA - Se eu o pilho, arrumo-lhe tamanho trompázio...

FELISBERTA - Para quê? coitado! Ele quis pagar-me o sorvete!...

SANTA RITA - Ah! ele quis pagar-te o sorvete?! Felisberta, olha que eu sou filho de Itapagipe e estive na revolução da Sabinada.

FELISBERTA - Pois o que tem que ele pagasse-me o sorvete?

SANTA RITA - No dia em que me constar que tu tomaste um sorvete à custa de outra pessoa, retiro-te a minha proteção.

FELISBERTA - Fresca proteção! levo o dia inteiro a coser para sustentá-lo e o senhor a tocar viola e a cantar modinhas.

SANTA RITA - Tenho eu porventura a culpa de não me terem dado ainda o lugar que me prometeram no corpo de urbanos? Quando chegar esse dia, serás tratada como uma princesa.

FELISBERTA - Veremos.

SANTA RITA - Hás de andar no trinque, metendo inveja a todas essas sirigaitas, que não te chegam aos calcanhares.

FELISBERTA - Isso é língua só. Tirou-me de casa dizendo-me que havia de casar.

SANTA RITA - Filha, eu não te tirei de casa, nem te disse coisa alguma; tu é que saíste de lá com teus próprios pés. Se há alguém seduzido, sou eu.

CENA IV

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OS MESMOS e FORTUNATO (Que entra vestido de Pierrô, com um nariz de papelão e barbas postiças.)


SANTA RITA - Eis o bilter outra vez conosco; vamos embora.

FELISBERTA (Baixo a Santa Rita.) - Como ele me olha.

FORTUNATO (À parte.) - A tal pastorinha está me transtornando a cabeça. (Dirige-se à Felisberta.)

SANTA RITA - O que é isso lá, meu amigo? Você para cá vem de carrinho. Se pensa que todos nós somos uns, está muito mal enganado.

FORTUNATO (À parte.) - Eu conheço esta voz.

SANTA RITA - Vamos, que se fico aqui mais dois minutos não respondo depois por mim. (Sai juntamente com Felisberta.)

CENA V

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FORTUNATO e depois LUÍS


FORTUNATO - Aquela voz não me é desconhecida. Irra! já não posso com o maldito calor. (Tira as barbas e o nariz no momento em que Luís aproxima-se e vê-lhe o rosto.)

LUÍS (A parte.) - Olé! O senhor meu sogro!

FORTUNATO (Pondo de novo as barbas e o nariz, à parte.) Um dominó! Que olhos que me deita! querem ver que é uma mulher? Experimentemos. (Alto.) Interessante máscara, quereis conceder-me a honra de dar-me o vosso braço?

LUÍS (Com voz fina.) - Não sei se devo... Os homens são tão imprudentes...

FORTUNATO (Á parte.) - Não há dúvida, é mulher. (Alto.) Depositai em mim toda a confiança, eu sou um cavalheiro.

LUÍS (Com voz fina.) - Todos os senhores dizem sempre a mesma coisa, mas depois.. . Nós mulheres somos tão fracas.

FORTUNATO (Á parte.) - É um anjo de candura! (Alto.) Vinde comigo, formosa menina.

LUÍS (Com voz fina.) - Como é que o senhor sabe que eu sou formosa?

FORTUNATO - O meu coração o diz; deveis ser muito bela e encantadora.

LUÍS (Á parte.) - Que tratante! Quem te viu e quem te vê!

FORTUNATO - Esta voz angélica e harmoniosa está traindo um lindo rosto. Há pouco lá embaixo eu vos seguia. Ora, eu não tenho por hábito andar seguindo as mulheres, porque no fim de contas, quando menos se espera, lá se encontra um malcriado, como já aconteceu a um amigo meu que andou em papos de aranha! Mas foi bem feito: quem o mandou se meter a abelhudo! Eu faço estas coisas, mas com certa cautela.

Luís (Com voz fina.) - Há duas horas também que o sigo.

FORTUNATO - Será possível?! O que fiz eu para ser tão feliz?!

LUÍS (Com voz fina.) - Há um quê no senhor que me agrada. Debaixo deste disfarce oculta-se necessariamente um homem elegante.

FORTUNATO - Que tem um coração cheio de vida e que o deposita a vossos pés. Deixai-me abraçar esta cintura delicada, (Luís esquiva-se.) consenti ao menos que eu beije esta linda mão. (Fortunato beija a mão de Luís e durante esta cena este tira a máscara.) Pois era o senhor?! (Luís ri-se às gargalhadas.) Devia se lembrar de que sou quase seu pai. (Luís continua a rir-se.) Basta, senhor.

LUÍS - Tem razão, meu sogra, (Rindo-se às gargalhadas.) isto não vai a matar.

FORTUNATO - Pois convença-se que eu já sabia que era o senhor. Preparei muito de propósito esta cena para ver até onde chegava o seu...

LUÍS - Cinismo, talvez? Senhor Fortunato, eu estou sem máscara e o senhor traz um nariz de papelão. Tire o nariz e deixe-se de hipocrisias. Seja franco: confesse que temos ido além do papel que devêramos representar.

FORTUNATO - Não confesso coisa alguma, senhor; porque tenho sido homem de bem até hoje.

LUÍS - Justamente como eu. Há uma diferença, porém, entre nós: eu tenho me atirado, durante esses quinze dias, no seio dos prazeres, porque nele encontro o esquecimento das dores que me torturam a alma; o senhor deixou-se fascinar pela liberdade a que não estava habituado, à semelhança do pássaro que tolhido no vôo pelos arames da gaiola vê-se de repente na imensidade do espaço, voa, voa com sofreguidão, sem medir o abismo que se lhe abre debaixo dos pés.

FORTUNATO - Ora esta! Mas que diabo de abismo tenho eu debaixo dos pés?

LUÍS - A sua reputação periga e quando um dia quiser reivindicá-la será tarde.

CENA VI

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OS MESMOS, INACINHA e LEONARDA (Vestidas de dominó.)


LEONARDA (Baixo a Inacinha.) - São eles.

INACINHA (Baixo.) - Vosmecê está bem certa disso?

LEONARDA (Baixo.) - O que está de dominó é teu mando e o outro é aquele velho sem-vergonha, que há de pagar-me a afronta com língua de palmo.

FORTUNATO (Baixo à Luís.) - Conheces aqueles dominós? Desde o princípio do baile que me seguem.

LUÍS (Que tem posto a máscara logo que entram Leonarda e Inacinha.) - Mais uma conquista.

FORTUNATO - Creio que sim. Decididamente estou em maré de felicidades. Olha, quando há pouco chegaste, não viste aqui uma pastorinha?

LUÍS - Não reparei.

FORTUNATO - Estou perplexo entre a tal pastora e aqueles dois dominós. (Inacinha e Leonarda atravessam a cena olhando para Fortunato e Luís.)

LEONARDA (A Inacinha, baixo.) - Eu tenho toda a certeza de que eles nos seguem.

INACINHA (Baixo.) - Que monstro!

FORTUNATO (À parte.) - Eu vou segui-la. (Vai a sair.)

LUÍS - Onde vai?

FORTUNATO - Deixa-me. (Vai a sair atrás de Leonarda e Inacinha que retiram-se no momento em que avista Felisberta sozinha. Luís sai pelo fundo.)

CENA VII

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FELISBERTA e FORTUNATO


FORTUNATO (Á parte.) - A pastora sozinha! (Dirigindo-se a Felisberta.) Feiticeira menina, não quereis aceitar o meu braço?

FELISBERTA (À parte.) - Eu conheço esta voz! (Reparando em Fortunato.) É célebre!

FORTUNATO - Não tendes medo de andar sozinha nestes sabes?

FELISBERTA - Medo de quê?

FORTUNATO (À parte.) - É singular! Eu já ouvi esta fala,. não sei onde. (Procura examinar Felisberta por baixo da máscara: alto.) Onde está o vosso gentil cavalheiro?

FELISBERTA - Perdi-me dele lá embaixo no meio do povo.

FORTUNATO - Vamos procurá-lo.

FELISBERTA - Não, senhor; eu ando bem sozinha.

FORTUNATO - Vinde ao menos tomar um sorvete.

FELISBERTA - O senhor paga o sorvete?

FORTUNATO - Pago, sim.

FELISBERTA (Dando-lhe o braço.) - Então, vamos já, antes. que ele apareça.

FORTUNATO (À parte.) - Que candura! (Sai com Felisberta.).

CENA VIII

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OS TRÊS CHICARDS e depois SANTA RITA


1º CHICARD - Vivam os estudantes de Heidelberg!1

TODOS - Vivam!

2º CHICARD - Procura-se um máscara de espírito.

3º CHICARD - Dá-se uma garrafa do mais fino clicot a quem. apresentar um princez. (Entra Santa Rita com ares de quem procura alguém.)

1º CHICARD - Cá está o princez! Venha o clicot. (Dá uma encapelação em Santa Rita.)

SANTA RITA - Os senhores não me percam. Olhe, quem lhes avisa seu amigo é.

2º CHICARD - Mais consideração para o homem de sangue azul, respeitem a espada de pau e a capa de belbutina.

SANTA RITA (Olhando em redor, como quem procura alguém.) Os senhores não viram por aqui uma pastora de vestido encarnado?

3º CHICARD - Bateu a linda plumagem. As pastoras dão-se mais com a democracia.

SANTA RITA - Fale sério, senhor; eu não sei onde tenho a cabeça.

2º CHICARD - Lá se vai a dinastia. (Santa Rita quer sair.)

1º CHICARD - Antes de sair daqui há de dar-nos um ar de sua graça. Diga-nos alguma coisa de espírito, como há pouco.

SANTA RITA - Deixem-me passar.

2º CHICARD (Arrumando-lhe uma encapelação.) - Está furioso! (Santa Rita sai acompanhado pelos chicards que riem-se às gargalhadas.)

CENA IX

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BARÃO DA COVA DA ONÇA e INACINHA


INACINHA (Com voz fina.) - Eu o conheço como as palmas de minhas mãos.

BARÃO - Pode ser, minha senhora; eu é que não tenho esta honra.

INACINHA (Com voz fina.) - Engana-se, senhor barão, as nossas relações datam de há muito. Eu já sabia que havia de encontrá-lo aqui; há dias que acompanho todos os seus passos.

BARÃO - Deveras? Como sou feliz!

INACINHA (Com voz fina.) - Vi-o do meu camarote e tomei este disfarce para melhor segui-lo.

BARÃO - Uma aventura romântica! Bendigo a feliz inspiração que me trouxe a este lugar.

INACINHA (Com voz fina.) - Não se trata de sua pessoa. Vossa Excelência não sabe com quem está falando.

BARÃO - Certamente, minha senhora; mas creio que não a ofendi.

INACINHA (Com voz fina.) - Vossa Excelência é um cavalheiro.

BARÃO - Tenho-me nesta conta.

INACINHA (Com voz fina.) - Poderá dizer-me quem é aquele dominó com quem andava há pouco?

BARÃO (À parte.) - E esta! a sujeitinha não quer fazer-me de pau de cabeleira!

INACINHA (Com voz fina.) - Já vejo que fui indiscreta.

BARÃO - Aquele dominó, minha senhora, é...

INACINHA (Com voz fina.) - Sei que é um moço elegante que anda fugido da mulher há quinze dias, que é rico como um Creso e que gasta como um lorde.

BARÃO - Calúnias, minha senhora. O mundo está cheio de más línguas!

INACINHA (Com voz fina.) - Eu o adoro.

BARÃO - Deveras?! Pois nada mais fácil, dirija-se a ele e faça-lhe a declaração. (À parte.) Não há dúvida, estou servindo de pau de cabeleira.

CENA X

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OS MESMOS e SANTA RITA (Que entra olhando para os lados como quem procura alguém.)


SANTA RITA - O senhor não viu por aqui uma pastora de vestido encarnado? (À parte.) O comendador!

BARÃO - Não, senhor. (Santa Rita sai olhando para os lados.)

CENA XI

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BARÃO e INACINHA


INACINHA (Com voz fina.) - Como deve ser feliz a pessoa que for amada por ele.

BARÃO (À parte.) - E esta!

INACINHA (Com voz fina.) - Onde mora este homem, senhor barão? Diga-me em nome de tudo o que tem de mais caro.

BARÃO - Não sei, minha senhora.

INACINHA (Com voz fina.) - É impossível, Vossa Excelência é íntimo dele.

BARÃO - Este homem é um pai de família; cometeu, é verdade, na opinião dos que não o conhecem, a leviandade de abandonar sua mulher e eu, como seu amigo dedicado, jamais consentirei que ele desonre o seu nome entregando-se a um amor criminoso.

INACINHA (À parte.) - É ele mesmo.

BARÃO - O que me pede, portanto, é impossível.

INACINHA (Com voz fina.) - Não poderá dizer-me, ao menos, quem é um pierrô que o acompanha?

BARÃO - Que sarna! (Alto.) Pois ele anda com um pierrô?

INACINHA (Com voz fina.) - Ora, o senhor faz-se de mais inocente do que na realidade é.

BARÃO - Minha senhora, a minha idade e a minha posição não toleram o papel que quer obrigar-me a representar. A senhora encontrou-me lá embaixo, pediu-me o braço e quando eu pensava que vinha lisonjear-me o amor próprio, acedendo aos galanteios que comecei a dirigir-lhe, fala-me ex abrupto de um terceiro e quer reduzir-me à posição de correio de amores.

INACINHA (Com voz fina.) - Estou o desconhecendo, senhor barão, Vossa Excelência está muito susceptível.

BARÃO - Nada mais tem a dizer-me, minha senhora?

CENA XII

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OS MESMOS e SANTA RITA


SANTA RITA - O senhor não viu passar por aqui uma pastora de vestido encarnado?

BARÃO - Já lhe disse que não. Irra!

SANTA RITA - Está bom; não é preciso zangar-se. (Sai olhando para os lados.)

CENA XIII

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BARÃO e INACINHA


INACINHA - Já que Vossa Excelência não quer prestar-me este serviço, hei de encontrar alguém que me aproxime de seu amigo.

BARÃO - Assevero-lhe que não o conseguirá, enquanto ele ouvir os meus conselhos.

INACINHA - E Vossa Excelência é um ótimo conselheiro.

CENA XIV

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OS MESMOS, LUÍS e LEONARDA


LUÍS (Dando o braço à Leonarda.) - Espero que seja mais feliz do que eu, barão. Há dez minutos, seguramente, que passeio com esta menina, encantadora talvez, mas ainda não pude saber qual o timbre de sua voz.

BARÃO (Para Inacinha.) - O que tem, minha senhora? Esta' tremendo!

LEONARDA (À parte.) - Estou com ímpetos de arrumar-lhe um bofetão.

LUÍS (Para Leonarda.) - Vamos lá, diga alguma coisa. Que tal acha o baile? Decididamente não é uma mulher, é uma estátua!

BARÃO (Para Inacinha.) - Não trema, minha senhora.

LUÍS (Para o barão.) - Pelo que vejo o seu par também é mudo?

BARÃO - É uma criatura romântica; consome-se nas chamas de um amor impossível, e perdeu a fala diante do objeto amado.

LUÍS - Bravo, barão, dou-lhe os meus parabéns. (Para Leonarda.) Mas a senhora está deveras resolvida a não dizer-me nada?

BARÃO (Baixo a Inacinha.) - O seu amor é uma loucura, minha senhora; esqueça-se disto.

LUÍS - Estou na realidade representando um papel interessante! Conte-me lá esta aventura, barão.

BARÃO - Imagina que esta senhora, a quem não tenho a honra de conhecer, pediu-me o braço...

LUÍS - Foi justamente o que me aconteceu: mas creia que eu me considero neste momento o ente mais feliz do mundo. Tenho plena certeza que sob esta máscara se oculta um rosto de anjo.

BARÃO - E eu nutro a convicção de que serias mais feliz se estivesses no meu lugar.

LUÍS - Deveras?

BARÃO - Figura-te que esta senhora arde de amores por ti, que se interessa extraordinariamente por tua pessoa e que deseja saber tua morada.

LUÍS - Fale mais baixo, barão; eu não desejo provocar ciúmes desta linda dama, que com tanto afã se obstina em envolver-se nas trevas do mistério.

BARÃO - Não há receio, os amores de carnaval raras vezes acarretam duelos.

CENA XV

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BARÃO, INACINHA, LUÍS, LEONARDA, FORTUNATO e FELISBERTA


FELISBERTA (Pelo braço de Fortunato.) - Deixe-me ir embora, senhor; ele pode aparecer e estou perdida.

LUÍS (Para Fortunato.) - Olá.

FORTUNATO (Baixo a Luís.) - Cala a boca, não convém que o barão me conheça.

FELISBERTA (À parte.) - O comendador! (Forceja por sair do braço de Fortunato, que a retém. Leonarda segura com força no braço de Fortunato, deixando o de Luís.)

LUÍS - Temos outra aventura?

LEONARDA (Tirando a máscara, depois de ter arrancado o nariz e as barbas de Fortunato.) - Sim, uma aventura com que não contavam.

FORTUNATO - Jesus, Padre, Filho, Espírito Santo.

INACINHA (Tirando a máscara de Luís e segurando-lhe no braço.) - Conheces-me, monstro? (Tira a máscara.)

BARÃO (À parte.) - Que escândalo, Santo Deus!

LEONARDA (Apontando para Felisberta.) - Quem é esta mulher? Quero saber quem é esta mulher.

INACINHA (Para Luís.) - Tu não sairás mais do meu poder.

LEONARDA (Segurando em Felisberta que tenta fugir.) - Quem é esta mulher, senhor?

FELISBERTA (À parte.) - Valei-me, Nossa Senhora do Amparo.

LEONARDA - Hei de conhecê-la. (Arranca a máscara de Felisberta.)

INACINHA e LEONARDA - Felisberta!!

LEONARDA (Deixando Felisberta.) - Eu sufoco! Ar, quero ar!

INACINHA (Deixando Luís e indo acudir Leonarda.) - Minha mãe!

LEONARDA - Anda-me tudo à roda. (Felisberta foge.) Um pau! Eu morro! (Caí nos braços de Inacinha, o barão ajuda a levá-la para um banco à direita. Acodem os máscaras que passeiam pelo salão e rodeiam Leonarda e Inacinha: o barão abre passagem por entre o grupo e vem ao lugar onde se acham Luís e Fortunato estupefactos.)

BARÃO - Fujam, desgraçados, e quanto antes, que eu velarei por elas. (Empurra Fortunato e Luís que saem.)

CENA XVI

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BARÃO e SANTA RITA


BARÃO - Que escândalo!

SANTA RITA - O senhor não viu por aqui uma pastora de vestido encarnado?

BARÃO - Vá-se embora com trezentos milhões de diabos! (Dirige-se ao lugar em que estão Leonarda e Inacinha, Santa Rita sai, olhando para os lados.)


(Cai o pano.)