A’ NOITE.


Teu ar merencorio, ó noite querida,
Agrada infinito ao meu coração;
Que as tristes ideias, que a mente me occupam,
Casar melhor vejo co’a tua soidão.

Apenas desdobras teu manto de anil,
Assim recamado de lindas estrellas,
Minh’alma, enlevada, bemdiz o Autor
De tantos prodigios, de noites tão bellas.

Eu gósto de ver-te, amiga deidade,
Porque só comtigo é que ouso ser franca;
De ti, só de ti confio os queixumes,
Que a sorte adversa do peito me arranca.

Tu és adorada d’aquelles que devem
Pungentes angustias no seio occultar;
D’aquelles que contam somente por dita
Poderem bem livres á dor se entregar.

A voz agoureira das aves nocturnas,
Aos sons doloridos do mar gemebundo,
Ai! como respondem suspiros do afflicto,
Que sem esperanças reside no mundo!

Teu ar merencorio, ó noite querida,
Agrada infinito ao meu coração;
Que as tristes ideias, que a mente me occupam,
Casar melhor vejo co’a tua soidão.

Emquanto os mais entes, felizes, desfructam
O brando repouso que dá-lhes Morpheu,
Eu vélo, e medito nas magoas acerbas
De que a desventura meus dias encheu.

Só tu testemunhas o pranto de angustia,
Que extremo infortunio me faz derramar;
Só tu me tens visto da morte invocando
O unico allivio, que posso alcançar.

D’est’alma, que pena, tu tens escutado
Os prantos que verte, as queixas que exhala;
Mas inda não sabes quanto é cruciante
A dor insoffrivel, que 'n ella me cála.

Vem, noite, querida de quantos procuram
Pungentes angustias no seio occultar;
De quantos, queixosos, aspiram somente
Poderem bem livres á dor se entregar.

No brando silencio tu sempre has de ver
O pranto brotar-me dos olhos cansados;
O pranto que aos risos prefiro d’aquelles
Que, cégos, se julgam mimosos dos fados.


2 de Setembro de 1849.