— Que beleza de mulher, Paulo! dizia Sá. Este retrato é a sombra apenas. No mundo só havia uma tela para a sua imagem: era a minha alma.
“Este vestido preto ela o trazia nos primeiros tempos, quando saía. Estava então de luto por seu pai. O roxo, porém, era a sua cor predileta, e dizia-lhe muito bem.
“Vendo-a passar ao braço do marido, casta e serena, todos a supunham sua filha. Suspensa ao flanco desse grande velho, de barba e cabelos encanecidos, ela me fazia lembrar as pálidas urzes que brotam entre musgos nas fendas de algum muro decrépito.
“Elisa tinha 23 anos. Tudo nela era bonito; mas nada como os seus olhos. Quando se abriam em toda sua limpidez, não deixavam a quem a contemplava mais vista para vê-la. Entretanto, não brilhavam, não; antes bebiam mais luz do que refletiam; tinham, porém, no olhar uma tão poderosa aspiração das sensações exteriores, que parecia devorar e absorver tudo em que fitavam.
“O que há de mais sedutor em formas de mulher, ela o possuía. Somente em da luxuosa expansão de certos organismos, havia no seu talhe esbelto sobriedade e mimo de carnação. Tudo nela era seiva e pura essência de voluptuosidade. Às vezes, quando estava imóvel e pensativa, tinha umas ondulações suaves que vinham do íntimo como o arfar da onda.
“Seu marido era meu parente ainda. Bom velho, caráter respeitável, de que não me posso lembrar sem pungentes remorsos. Ele me perdoou: foi menos severo do que minha própria consciência.”
Seu tio, assim o tratava Sá por deferência, fora amigo íntimo do pai de Elisa. Essa amizade datava de quarenta anos, quando eram ambos cadetes de um regimento de cavalaria na guerra cisplatina. A fortuna os separou; a desgraça os reuniu à borda do leito, onde afinal um expirou, pobre e desconhecido, legando sua filha órfã ao outro, rico e venerado.
Uma semana depois o velho dizia à menina órfã:
— Elisa, eu conheço e sei apreciar a sua virtude austera, mas este mundo é tão falso e a reputação de uma moça tão delicada, que precisa de ser amparada por uma família. O que prefere? Uma família emprestada, ou uma família sua, no seio da qual seja senhora?
— Os parentes que me restam, Sr. Coronel, são tão remotos, para me formarem uma nova família!
— Não me compreendeu. Quer aceitar o meu nome e os meus haveres?
Elisa tinha por várias vezes rejeitado partidos, que, na sua posição, se podiam considerar vantajosos em todos os sentidos: às instâncias do pai respondia sempre que não tinha propensões para o casamento, e considerava-se mais feliz solteira e na sua companhia.
Entretanto, a proposta desse velho de sessenta anos penetrou o seu coração de reconhecimento. Passada a primeira surpresa, ela sorriu com uma doce melancolia.
— O seu nome... aceito, Sr Vale. Os seus haveres não devo...
Ele insistiu sobre a restrição de Elisa, mas nada conseguiu, e, afinal, teve que ceder. No dia do casamento, o coronel perguntou-lhe:
— Elisa, consulte o seu coração. É sem sacrifício?
— É com a maior tranquilidade de minha alma, respondeu ela.
A cerimônia realizou-se em casa, com o recato que exigia o luto e a austeridade dessa união celebrada entre dois túmulos, um que se fechara, outro que não tardava abrir-se.
Foi pouco tempo depois desse casamento que o coronel escreveu a Sá propondo-lhe viver em sua companhia, e prometendo encarregar-se do seu futuro. Ele tinha então 22 anos. Acabava de se formar. Partiu cheio de sonhos e esperanças.