O Galo que Logrou a Raposa


Um velho galo matreiro, percebendo a aproximação da raposa, empoleirou-se numa arvore. A raposa, desapontada, murmurou consigo: “Deixe estar, seu malandro, que já te curo!...” E em voz alta:

— Amigo, venho contar uma grande novidade: acabou-se a guerra entre os animais. Lobo e cordeiro, gavião e pinto, onça e veado, raposa e galinhas, todos os bichos andam agora aos beijos, como namorados. Desça desse poleiro e venha receber o meu abraço de paz e amor.

— Muito bem! exclamou o galo. Não imagina como tal noticia me alegra ! Que beleza vai ficar o mundo, limpo de guerras, crueldades e traições! Vou já descer para abraçar a amiga raposa, mas... como lá vêm vindo tres cachorros, acho bom espera-los, para que tambem eles tomem parte na confraternização.

Ao ouvir falar em cachorro dona Raposa não quís saber de historias, e tratou de pôr-se ao fresco, dizendo:

— Infelizmente, amigo Có-ri-có-có, tenho pressa e não posso esperar pelos amigos cães. Fica para outra vez a festa, sim? Até logo.

E raspou-se.

Contra esperteza, esperteza e meia.

— Pilhei a senhora num erro! gritou Narizinho. A senhora disse: “deixe estar que já te curo!” Começou com o Você e acabou com o Tu, coisa que os gramaticos não admitem. O “te” é do “Tu” não é do “Você”...

— E como queria que eu dissesse, minha filha?

— Para estar bem com a gramatica, a senhora devia dizer: “Deixa estar que eu já te curo!”

— Muito bem. Gramaticalmente é assim, mas na pratica não é. Quando falamos naturalmente, o que nos sai da boca é ora o você, ora o tu — e as frases ficam muito mais jeitosinhas quando ha essa combinação do você e do tu. Não acha?

— Acho, sim, vóvó, e é como falo. Mas a gramatica...

— A gramatica, minha filha, é uma criada da lingua e não uma dona. O dono da lingua somos nós, o povo — e a gramatica o que tem a fazer é, humildemente, ir registrando o nosso modo de falar. Quem manda é o uso geral e não a gramatica. Se todos nós começarmos a usar o tu e o você misturados, a gramatica só tem uma coisa a fazer...

— Eu sei o que é que ela tem a fazer, vóvó! gritou Pedrinho. E’ pôr o rabo entre as pernas e murchar as orelhas... Dona Benta aprovou.



Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.