A Assembleia dos Ratos
Um gato de nome Faro-Fino deu de fazer tal destroço na rataria duma casa velha que os sobreviventes, sem
animo de sair das tocas, estavam a ponto de morrer de
fome.
Tornando-se muito sério o caso, resolveram reunir-se em assembleia para o estudo da questão. Aguardaram para isso certa noite em que Faro-Fino andava aos mios pelo telhado, fazendo sonetos á lua.
— Acho, disse um deles, que o meio de nos defendermos de Faro-Fino é lhe atarmos um guizo ao pescoço. Assim que ele se aproxime, o guizo o denuncia e pomo-nos ao fresco a tempo.
Palmas e bravos saudaram a luminosa ideia. O projeto foi aprovado com delirio. Só votou contra um rato casmurro, que pediu a palavra e disse:
— Está tudo muito direito. Mas quem vai amarrar o guizo no pescoço de Faro-Fino?
Silencio geral. Um desculpou-se por não saber dar nó. Outro, porque não era tolo. Todos, porque não tinham coragem. E a assembleia dissolveu-se no meio de geral consternação.
— Que historia essa de gato “fazendo sonetos á lua”? interpelou a menina. A senhora está ficando muito “literaria” vóvó...
Dona Benta riu-se.
— Sim, minha filha. Apesar do meu desamor pela “literatura”, ás vezes faço alguma. Isso aí é uma “imagem literaria”. A Lua é um astro poetico, e quando um gatinho anda miando pelo telhado, um poeta pode dizer que ele está fazendo sonetos á Lua. E’ uma bobagenzinha poetica.
— “Desamor pela literatura”, vóvó? extranhou Pedrinho. Então a senhora desama a literatura?
Dona Benta suspirou.
— Meu filho, ha duas especies de literaturas, uma entre aspas e outra sem aspas. Eu gosto desta e detesto aquela. A literatura sem aspas é a dos grandes livros; e a com aspas é a dos livros que não valem nada. Se eu digo: “Estava uma linda manhã de ceu azul”, estou fazendo literatura sem aspas, da boa. Mas se eu digo: “Estava uma gloriosa manhã de ceu americanamente azul”, eu faço “literatura” da aspada da que merece pau.
— Compreendo, vóvó, disse a menina, e sei dum exemplo ainda melhor. No dia dos anos da Candoca o jornal da vila trouxe uma noticia assim: “Colhe hoje mais uma violeta no jardim da sua preciosa existencia a gentil senhorita Candoca de Moura, eburneo ornamento da sociedade itaoquense”. Isto me parece literatura com dez aspas.
— E é, minha filha. E’ da que pede pau...
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.