Qualidade e Quantidade
Meteu-se um mono a falar numa roda de sabios e tais asneiras disse que foi corrido a pontapés.
— Que? exclamou ele. Enxotam-me daqui? Negam-me talento? Pois hei de provar que sou um grande figurão e vocês não passam duns idiotas.
Enterrou o chapeu na cabeça e dirigiu-se á praça publica onde se apinhava copiosa multidão de beocios. Lá trepou em cima duma pipa e pôs-se a declamar. Disse asneiras como nunca, tolices de duas arrobas, besteiras de dar com um pau. Mas como gesticulava e berrava furiosamente, o povo em delirio o aplaudiu com palmas e vivas — e acabou carregando-o em triunfo.
— Viram? resmungou ele ao passar ao pé dos sabios. Reconheceram a minha força? Respondam-me agora: que vale a opinião de vocês diante desta vitoria popular?
Um dos sabios retrucou serenamente:
— A opinião da qualidade despreza a opinião da
quantidade.
— Nada mais certo, meus filhos, disse dona Benta. Logo que os homens se reunem em multidão, o nivel mental baixa muito. Quanto maior a multidão, mais baixo o nivel mental. Porisso é que os sabios têm tanto medo ás multidões.
— A senhora já nos contou aquele caso lá da Grecia, lembra-se?
— Sim, o caso do orador que estava fazendo um discurso para o povo. De repente rebentaram tremendos aplausos. O orador voltou-se para um amigo ao lado: “Será que eu disse alguma asneira?”
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.